ELEFANTE NO TELHADO

I

Primeiro, olhou bem... Olhou de novo: uma, duas, muitas vezes. Depois, com os olhos embrulhados nas idéias, desceu lenta e ofegantemente a escada de degraus mal pregados que encostara na parede-fundo da casa.

- Tem um elefante no telhado!

Sabe que gritou esta frase a plenos pulmões. Sabe, outrossim (gostava de usar esta expressão, pois dava um ar elegante às conversações e o destacava como juiz no grupo social que freqüentava), que ninguém o escutara. Ele mesmo não se ouvira. Afinal, gritara ou não? Sim. Mas para dentro de si próprio onde apenas o escuro impenetrável fizera eco.

Eco! Tudo começou assim: brigara com a mulher com quem dividia o lençol há bem dois anos. Conhecera-a quando presidia uma audiência de separação de corpos cumulada com pedido de pensão alimentícia, numa Vara de Família onde substituía o titular que enfartara.

- A senhora não gostaria de transformar em consensual, a litigiosa, já que seu (ex) marido concorda?

- Excelência, o que meu advogado disser, eu assino!

Ele vira nessa resposta incisiva, uma mulher forte, decidida, confiante e, além do mais, aqueles olhos azuis melancólicos, eram um convite, uma tentação, “a quebra da Espada, o desequilíbrio da Balança”, nas palavras jocosas de um colega de judicatura.

Gostava muito, muito mesmo, dela. Mas brigara porque a surpreendera na sua cama fornicando com o macaquinho Pablito, de estimação.

Na sapiência de renomados antropólogos, esse animal é o parente mais próximo do homem, dentro da escala evolutiva. Na concepção do traído, perder a mulher para um “meio-homem” que além de tudo era um bananômano e que vivia pendurado pelo rabo no lustre da sala, era algo absolutamente inaceitável.

II

Começou a deglutir aquela horripilante infidelidade, noite e dia. Estava definitivamente perturbado. De tal forma que, dia desses, passou a ouvir ou pensar que ouvia estranhos ruídos no telhado.

A princípio, pensou ser efeito de uma imaginação hiperexcitada. Porém, os barulhos continuaram na semana seguinte e, veio um momento, inevitável, de verificar o que havia de misterioso lá em cima.

- É ou não é um elefante? É sim! É sim!

Estava já em chão firme quando se perguntara e respondera-se. Chão firme é força de expressão, pois, desde o golpe amoroso, nada mais estava ou era sólido para ele.

Flutuava confuso, entre o sonho e a realidade. Pesava usos, costumes; analisava valores, doutrinas, religiões, filosofias etc. e nisto tudo só via um vazio profundo, um oco medonho, a covardia e o medo, a miséria moral estabelecida irremissivelmente, a traição cotidiana e o caos do sistema humano (ou desumano?) mugia nos seus ouvidos, espoucavam fogos de artifícios no seu rosto com barba de muitos dias e dores.

Vergonha e desprezo! Fatalmente, a sociedade lhe apontaria: “lá vai o juiz, ó, que perdeu a mulher para um macaco!” Um bloco de pedra não lhe era mais consistente que uma manteiga ao sol. Carros, prédios, pessoas, dinheiro, justiça, tinham-lhe a mesma solidez da fumaça... Tudo tão etéreo, frágil, implodido.

- Não é um elefante! Não é não...

Às sete horas da manhã, a polícia veio recolher o corpo caído entre o portão e a calçada. Encontrara-o um vizinho que saía para o trabalho. Estava completamente nu, cabelos desgrenhados e a barba um tanto densa, por fazer. Da mão fortemente apertada, um policial retirou uma foto de mulher ainda jovem, olhos azuis, cujo rosto angelical, em contraste, revelava, no fundo, uma pessoa pervertida e má. O ventre estava inchado, volumoso.

A autópsia revelara a causa mortis: intoxicação aguda. Ele comera um cacho inteiro de bananas...

Don Aragone
Enviado por Don Aragone em 07/08/2013
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