BONECAS DE RETALHO
Maria do quartinho de costura olhava pela janela que dava para um quintal que ficava nos fundos da sua casa onde havia um pequeno jardim, onde cultivava plantas das mais variadas espécies, entre elas: hortênsias, margaridas, floxinas, buganvília, onze horas, amor-perfeito, cravos, enfim, flores que coloriam seu pequeno jardim.
No canto esquerdo avistava-se um canteiro de rosas, mas a frente beirando os fundos da casa, tinha um pé de carambola e junto à cerca framboesas doces e suculentas,uma parreira de uvas. U
ma goiabeira sombreava o centro do quintal, havia ainda um limoeiro, um pé de romã do lado direito do cercado e vergamota.
Maria adorava observar sua modesta plantação. A Vergamoteira tava carregada de flores. Este ano prometia ter bastante da fruta para ela saborear juntamente com sua família e ainda fazer suas compotas de doces gostosos que eram apreciados por todos, sem falar nas cocadas que eram destaque da sua culinária.
Enquanto passava a linha no orifício estreito da agulha de costura., Maria apertava os olhos, fechando o esquerdo e abrindo bem o direito para focalizar melhor o lugar exato por onde a linha devia passar. Vez por outra era preciso passar a linha nos lábios para umedecer e deixar a mesma mais reta para passar pela agulha.
Finalmente conseguindo passar a linha pela agulha, Maria soltou um suspiro de alívio e então ela segue costurando unindo os retalhos até que formou o corpo do que seria uma boneca.
Recheou-o com fibra de algodão e pronto.
Maria deixou o corpo da boneca de lado e passou para a modelagem da cabeça. Geralmente, ela sempre começa a boneca fazendo primeiro a cabeça, desta vez ela preferiu fazer diferente, sem nenhuma razão especial para ter mudado a ordem. Sabia que não alteraria no resultado final de sua obra. O processo criativo é muito interessante, não importa por onde se começa, importa o resultado final. É assim com alguns escritores, alguns começam o início pelo fim sem que isso possa alterar o contexto da sua obra.
Recortou o molde em forma circular, gostava que suas bonecas exibissem o rosto redondo e ainda sempre ressaltava as bochechas abusando no Rouge( o blusch dos dias atuais).
Faltava achar um bom tecido para confeccionar a cabeça de sua boneca, já que o corpo fora montado em retalhos e estava multicolor. Isso dava um belo toque final depois de pronto, pois dava a impressão que o corpo já estava vestido. As pernas coloridas,pareciam meias. Os braços pareciam mangas compridas, apenas as mãos estavam numa só cor e ela queria que o rosto fosse da cor da mãos.
Vasculhou sua cesta de vime onde continha uma boa quantidade de pedaços de pano das mais variadas cores e tipos. Pegou um tecido marrom e o analisou.
-Acho que esta é uma boa cor! – Disse. - Pelo menos está na mesma textura das mãos.- concluiu ao comparar a cor do tecido que havia achado com a cor das mãos da boneca. que era um chocolate, um pouco mais claro..- Tomou a tesoura e recortou o tecido conforme o molde feito por ela anteriormente. Cortou duas partes.
Costurou as partes e deixou um pequeno espaço para encher com a fibra de algodão.
-Enfim mais uma etapa. – falou abrindo um sorriso.
Recheou a cabeça com a fibra e faltava uni-la ao corpo. Acabou a linha. Ela tornou a tirar a linha do carretel e colocou no buraco da agulha. Acabou-se demorando mais tempo que na primeira vez. As vistas já estavam cansadas, os olhinhos pequenos úmidos. Assim que conseguiu passar a linha, ela uniu a cabeça ao corpo. Ao ver sua obra quase que finalizada, esboçou mais um sorriso nos lábios finos e tremeluzentes. Decidiu que precisava esticar um pouco as pernas.
Levantou-se e saiu do quarto de costura. Foi até o quintal donde se sentou no banco de madeira debaixo do pé de goiaba. Permaneceu um tempo ali saboreando a brisa suave do outono. O suave balançar do vento fazendo as folhas secas debaixo da parreira serem conduzidas a esmo, fez com que remetesse seus pensamentos a um passado muito remoto, quando os filhos pequenos corriam pelo quintal com suas brincadeiras inocentes. Maria fixou a vista no pé de carambola e avistou uma fruta madura, não era época da fruta, ali estava uma perdida, solitária, tal qual ela estava neste momento. Ergueu-se donde estava e caminhou até o pé da fruta e a colheu sem esforço, voltou ao banco e tornou a se sentar. Levou a fruta aos lábios e sugou seu sumo ainda não tão doce nem tão azedo, era meio sem paladar, sua falta de sabor denunciava que estava fora da sua época.
-Por que as coisas têm que ser assim, às vezes perdem o sabor mesmo que por fora sua aparência demonstre beleza e doçura seu interior pode estar seco e sem sabor.- questionou-se.
Maria voltou a suas antigas lembranças. Os filhos brincavam no quintal com carrinho de rolimã que eles mesmos construíam na ânsia de construir algo que lhes proporcionasse aventura na brincadeira, depois se desabalavam morro abaixo sem medo, sentindo o vento embaralhar as vistas e a poeira grudar no suor de seus rostinhos felizes. Em seguida subiam novamente morro acima desta vez com o rolimã nas costas, mas eles nem se importavam com o trabalho, o prazer da descida aventureira compensava qualquer esforço.
Maria riu-se ao lembrar das diabruras dos filhos pequenos.
-Bons tempos. – disse para si mesma.
Os filhos cresceram, casaram, tiveram os próprios filhos e os filhos dos filhos também vieram.
Maria sabia que tudo um dia findava as boas e as más coisas também. Nada se perpetua. A forma que ela encontrou para perpetuar-se foi confeccionar suas bonecas de pano para dar de presente as netas e depois as bisnetas, e assim ela ia se perpetuando em suas bonecas de retalho. Bonecas essas que ela adorava fazer, passava horas costurando, criando suas roupas, seus estilos. Tudo isso lhe dava prazer.
Quando se sentia cansada ela ia até o quintal, observava suas plantas, seus pés de frutas, algumas vezes ela que plantava e outras ela simplesmente colhia e ainda outras em que só observava.
Ao terminar sua carambola, voltou a entrar na casa, passou por um vaso de antulio e tocou de leve uma de suas gigantes folhas aveludadas. Como era lindo aquele antulio, Maria dera uma muda daquela planta para cada filho.
O vaso de antulio da Maria, ficava num canto especial na sala de visitas. Ela gostava de ficar sentada na poltrona observando a beleza da planta. Havia também uma linda samambaia de metro que descia e quase tocava o chão, ela sorria orgulhosa diante das suas preciosas plantas.
Voltou ao quarto de costura e sentou-se na sua cadeira, tomou a boneca que já estava quase finalizada. Faltavam-lhe as roupas, os cabelos e expressão na face. Maria gostava de fazer suas bonecas sempre de olhos aredondados muito esperto e largos sorrisos, era com se elas expressassem a sua própria felicidade.
Tornou a vasculhar a cesta de retalhos e encontrou um bom pedaço de tecido xadrez vermelho. Fez o molde, recortou o tecido e o costurou. Em poucos minutos o vestido já estava no corpo da boneca que também ganhou uma calçolinha no mesmo tecido.
Passava das seis da tarde. Maria pegou alguns fios de lã e com eles montou tranças na cor vermelho escuro que adornaram a cabeça da boneca, enfeitou com lacinhos brancos. Detalhe que também usou no vestido, assim como renda branca na barra da saia.
Numa caixa em cima da mesa, que estava repleta da suas quinquilharias de costura, Maria encontrou tinta. Pitou os olhos, em seguida fez uma bolinha que serviria de nariz e depois a boca bem contornada em vermelho, duas bochechas rosadas e finito! Estava pronta.
-Só lhe falta um nome.
-Que nome você gostaria de ter? – indagou colocando a boneca na sua frente.
Maria pensou olhou para a boneca que tinha uma expressão de alegria e disse já sei:
-Letícia. Isso mesmo. Letícia significa alegria e é isso que você me transmite.
Maria batizou sua mais noiva criação, assim como havia batizado tantas outras, todas tinham um nome, mesmo as que dava de presente, já iam batizadas.
Letícia agora era o seu presente! Levou consigo e a depositou sobre a cama.
Olhou para a boneca recostada em seu travesseiro com fronhas que cheiravam a alfazema.Não parecia ser mais uma boneca, havia mais do que silencio na boca desenhada com carmim, havia mais do que lágrimas desenhadas nos olhos.
Preparou um sanduíche e o comeu com café e leite. Terminado seu modesto lanche, levou o prato e sua caneca de louça para pia, lavou, secou e guardou. Foi até o banheiro, urinou, banhou-se, penteou os cabelos já bem brancos. Escovou os dentes e voltou para o quarto de dormir.
Retirou a colcha de retalhos do leito colocou a bonecas sobre uma poltrona que tinha num canto do quarto. Abriu o seu armário e retirou uma camisola de algodão e vestiu-a.
A seguir, sentou-se de fronte a antiga penteadeira de três espelhos. Sobre a penteadeira havia vidros de perfumes, colônias, talcos, esmaltes escova de cabelo, batom sempre rosa seco, um blusch e pó de arroz que não podia falta.
Maria abriu o frasco do seu perfume preferido e molhou a ponta do dedo indicador levando-o até a região detrás da orelha. A seguir pegou a pluma de talco e passou no pescoço e região. Nos lábios um pouco de batom.
Caminhou até o leito, descalçou os chinelos de flanela, sentou-se na cama. Fez uma breve oração. Pensou nos seus queridos filhos e netos e irradiou esta oração para cada casa. Em seguida deitou abraçou sua boneca de retalhos, a sua última criação e fechou os olhos para o mundo real.
FIM!
Autora: Patrícia Mackowiecky Carpes