Uma criança na guerra
“O que você quer ser quando crescer?”. Pobres crianças. Precisam conviver com as imbecilidades adultas desde cedo. Por que não deixar que sejam crianças para sempre? Por que querer que elas cresçam? O futuro não pertence a elas. Na verdade, não pertence a ninguém. Todos chegam a uma fase da vida em que os sonhos são nossas únicas formas de defesa de nossa própria mediocridade, que nos engole quando adultos.
“Ei, menino, o que você quer ser quando for adulto?”, insistiam. “Soldado do exército”, respondia inocentemente, enquanto corria sem direção brincando de aviador. O tempo foi passando, o garoto crescendo, mas o sonho continuou intacto. As brincadeiras com os amigos do bairro foram se transformando em coleções de miniaturas de soldados, jogos de videogame, filmes e livros de história.
Agora aquela criança se tornou um rapaz. Com 18 anos, conquistou uma vida que jamais imaginaria ter e que seria o sonho de muitos jovens de sua idade. Tinha uma vaga na melhor universidade do país, a chave de um belo carro, uma linda namorada e boa condição financeira. Por alguns momentos, o garoto chegou a cogitar a possibilidade de seguir a história que possuía, mas resolveu tomar sua primeira atitude de homem e alistou-se no exército. Olhando para o passado, não tinha coragem de trair os sonhos plantados pela criança que perdura dentro de si.
Alguns meses após entrar nas Forças Armadas, o país entrou no conflito mundial e o menino-homem foi convocado para atuar nos campos de batalha, porém, como havia passado por menos treinamentos em comparação aos outros militares da reserva, tinha a possibilidade de adiar sua estreia na guerra. No entanto, a adrenalina do momento tomou conta, e ele aceitou a chamada, ansioso pelo primeiro tiro.
Entretanto, tudo o que sempre ouviu falar sobre a guerra, tudo o que estudou, o que viu nos filmes e o que foi ensinado no quartel não foram suficientes para prepará-lo para aquele momento. A experiência de matar uma pessoa pela primeira vez na vida, mesmo sendo adversária, foi algo marcante para o jovem soldado. Ele jamais conseguiria se esquecer daquele instante, do gatilho acionado por seus dedos, do som das balas perfurando o homem em sua frente, o sangue respingado em seu rosto e o primeiro corpo ausente de vida caindo diante de seus pés, por sua causa. A partir de então, tentou fazer do ato de matar uma rotina, mas jamais se esqueceria do primeiro.
A cada noite fria passada em claro, atento a qualquer ruído e tentando encontrar algum sentido na guerra, a cada lágrima derramada de saudades, a cada companheiro morto, o menino se tornava mais homem.
Em um fim de tarde chuvoso, após mais um longo dia de sobrevivência, a guarnição onde o rapaz se encontrava foi encurralada pelo inimigo, em meio a uma região montanhosa. Todos foram pegos de surpresa, no momento em que se preparavam para montar o acampamento e descansar. O soldado conseguiu se esconder atrás de uma enorme pedra, esperando o fim daquele pesadelo.
Calmaria. No entanto, de repente, um disparo. Sentiu um último calafrio. Com as mãos no abdômen, percebeu que o sangue jorrava. Cai na lama, sem nenhuma dignidade, como aqueles que matara, mas se despede com um sorriso no rosto, ainda marcado pelas espinhas.
Não importa que seu final tenha sido sem lembranças, em uma cova rasa, em uma praia bem longe de sua casa. Em seus últimos momentos, o rapaz recordou de sua infância, sentiu-se realizado e morreu criança novamente.