O bêbado

Um dia qualquer, como tantos outros. Um dia difícil de trabalho, como todos os outros. A vida anda meio difícil, mas, se for parar para pensar, para quem não está? A rotina tem tropeçado em minhas olheiras e perguntado se não era o momento de desistir. Apesar de essa possibilidade ter realmente passado por minha cabeça, resolvi engolir a seco os problemas e prometi não reparar no mundo em minha volta.

Era uma segunda-feira comum de inverno, fazia frio e o céu carrancudo ameaçava desabar em uma tempestade. O despertador me pregou uma peça e não tocou. Levantei atordoado e atrasado. Joguei a fria água da torneira no rosto para despertar e me arrumei rapidamente, para não perder o horário do trabalho. Na correria, nem deu tempo de tomar café da manhã, mas a pressa foi tamanha que não senti fome.

Eram dez para às 6h da manhã. Iria pegar o ônibus das 6h, mas cheguei um pouco antes, pois nunca se sabe o horário certo que ele passará. Deixo de ser Álvaro Oliveira Barbosa para me tornar mais um na multidão. Me junto aos muitos que, assim como eu, também acordam cedo, se despedem da família, esperam pelo transporte público e vão trabalhar até anoitecer. Porém, em meio a essa multidão há um ser excêntrico, excluído em seu canto, alvo de risos e chacotas. Era um bêbado. Mais um bêbado na cidade. Tinha muito com o que me preocupar e, assim como os demais, não dei atenção aos resmungos sem sentido que proferia.

No dia seguinte, troquei as pilhas do despertador e acordei no horário habitual. Com mais calma, cheguei mais cedo ao ponto de ônibus. Novamente me tornei mais um em meio àquela pequena multidão no aguardo da condução. Os mesmos rostos de todos os dias. Novamente, em meio a todos tão normais, estava o bêbado. Novamente, minimizado à insignificância de seu pedaço de papelão, no cantinho da guarita, tentando se abrigar do sereno da manhã. Dessa vez, parei para ouvir seus delírios. Mesmo sem ninguém dando atenção, estava lá falando sobre futebol, bebida, mulheres, política e o que mais desse vontade.

Parei por alguns instantes para prestar atenção naquela pessoa sorrindo, chorando, cantando e completamente fora de si. Meu ônibus passou e não reparei. A multidão se desfez e ficamos só eu e ele. Pude repará-lo por mais tempo e, me despindo de todos os preconceitos, pude perceber o quanto aquele simples homem era mais feliz e humano do que todos em sua volta. Bem ali, naquela singela caixa de papelão amassada e sem camisa, não se importa com o frio ou com o que todos os que passam pela calçada estão dizendo ou pensando.

O bêbado é um sujeito corajoso, fala tudo o que vem à cabeça, sem qualquer receio. Xinga e amaldiçoa todos os políticos, mesmo que dependa de uma Bolsa Família para sobreviver ou do abrigo da marquise da prefeitura para não ficar na chuva. O que importa é falar a verdade. Pode até derreter-se em lágrimas pela mulher que o largou, por uma traição ou por um delírio não correspondido, mas logo se esquece das amarguras e começa a gargalhar de qualquer vaga lembrança que tenha.

Para chegar a esse ponto, o homem bêbado deve ter muitos problemas. Desempregado, sem família, despejado de seu apartamento, sem ter onde morar, pensões alimentícias pendentes, contas por pagar, enfim, algumas possibilidades. Porém, mesmo assim, estampa um largo sorriso no rosto por mais uma simples dose de pinga. Além de feliz, não se chateia e não sofre com nada, a não ser quando os trocados, ganhos dos bicos que faz para poder encher o copo de cada dia, vazam pelos bolsos furados de sua velha bermuda.

Não importa se o homem bêbado não toma banho há semanas ou vive de esmolas, ele é uma pessoa plena com o copo na mão e feliz pela simplicidade com que vê o mundo. Queria ser um pouco bêbado também. Todos deveriam ser.

O próximo ônibus vem chegando e estou atrasado para o trabalho. Dou sinal e entro. Dentro dele, todos comportados e uniformes, sem nenhum bêbado. Transformo-me, novamente, em mais um na multidão.

Aldir Junior
Enviado por Aldir Junior em 24/07/2013
Código do texto: T4402242
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