CONTO DO HOMEM DORMINDO
Conto do homem dormindo
Com um salame embrulhado debaixo do braço o homem entra no ônibus, pede licença e senta ao lado de uma mulher. Ele sorri para ela com a doçura própria dos homens bondosos e honestos. Ela retribui o sorriso e olha pela janela, o vento balança seus negros cabelos enquanto o ônibus percorre as ruas da manhã nublada.
De repente ela pergunta para onde ele está indo. Ele responde que está indo para casa e que tinha pressa em chegar. Ela pergunta o que ele leva no embrulho. Ele responde que é um salame e que seus filhos gostam muito e, às vezes, ele levava para o lanche deles. Ela docemente sorri e pega em sua mão. O homem percebe a maciez daquela mão gentil e sente um arrepio, como se um vento frio entrasse pela janela e esfriasse todo o seu corpo. A mulher pergunta se ele está se sentindo bem e ele responde com os olhos que sim. Então ela pergunta se sua vida tem valido a pena, então ele diz que não, mas diz isso como quem acorda no meio da noite para fumar um cigarro, como quem endureceu sem ter amadurecido seus sonhos. Diz que anda um pouco cansado mas que, às vezes, se sente como um menino caindo da bicicleta e correndo para o colo de sua mãe.
Ela sorri de novo e se perde olhando para o seu rosto. Durante alguns segundos o silêncio parecia com a chuva acompanhada pela orquestra do inverno e pela harmônica do barro arrastado pelas águas.
O homem depois de um tempo é calado, despreza os mapas e o convencionalismo das horas sem jamais se perder ou chegar tarde a um encontro. O silencio depois de sua fala é como uma extensão da frase, hiato para um novo manifesto. Seus ombros são caminhões que transportam dinamites, suas mãos operárias escorregam pelo rosto como um navio deslizando em águas calmas, mãos que retratam as ruas, emolduram o retrato da família.
Ele se assusta ao perceber que o ônibus está parado apesar da paisagem alternar entre as casas das ruas. Era como se estivesse sentado assistindo a um filme. Ele olha para os bancos do ônibus e não vê ninguém, nem o motorista está ali. Então ele pergunta para onde a mulher está indo. Ela responde que também está indo para casa, mas que não tinha nenhuma pressa em chegar e também não carregava mais embrulhos.
O homem baixou os olhos e respirou suavemente. Começou a perceber que aquela viagem não era comum, não era como os dias em que ele corria para alcançar o ônibus, sempre cheio de trabalhadores como ele que, cansados, sentiam a felicidade de uma família a sua espera para o jantar. Começou a olhar pela janela e não reconhecia os lugares que passavam, até que viu um menino correndo pela rua, achou que o conhecia, mas não tinha certeza, mas ela o conhecia e mandou um beijo materno para ele, que retribuiu se tornando poeta.
Algo parecido com o tempo ia passando naquela coisa parecida com um lugar, como se percorresse o passado, entrasse pelas saídas, descosturasse roupas, as linhas escorregassem para fora das agulhas, assim, entre o céu e o telhado da casa, o tempo pressiona o intervalo invisível, comprime as retinas retirando telhas até que sua casca se quebre.
O homem já estava ficando desconfiado de que algo estava errado com ele, quando a mulher pegou o embrulho do salame e abriu. Não havia nada. Ele quis saber onde estava o salame, onde foi parar o recheio do lanche dos seus filhos. A mulher respondeu que o salame estava em sua casa, na mesa, dentro do pão do lanche deles e que ele agora não precisava carregar nada debaixo dos braços. Seus filhos estão alimentados, disse a ele, você soube muito bem como deixá-los preparados e que ele precisava apenas dormir um pouco e acordar quando o ônibus abrisse as portas.
Assim fez o homem: dormiu....dormiu.....dormiu! O homem dormiu, mas sempre estará acordado, atirando garrafas vazias ao mar, depois de ter bebido o vinho de todas as revoluções.