Um significado para a vida

Eu estava em um estágio elevado de descrença. Já não acreditava nem na bondade, imagine em um Deus que nos ama.

Eu tentaria libertar-me em breve, pois já não aguentava aquela vida insípida. Mergulharia na negridão do vazio. E não seria mais.

Antes disso, eu instintiva e inconscientemente procurei algo em que me agarrar. Algo que quebrasse a minha rotina.

Decidi passear um pouco, respirar novos ares. Encontrar novas pessoas. Não, eu não era antissocial, tampouco misantropo. Eu apenas

não tinha tido a oportunidade de ligar-me profundamente a alguém. Mas eu precisava de alguém, de uma mulher que desse sentido à minha

existência. Será errado procurar em outrem um significado para a sua vida? Eu tinha horror a mim mesmo e, talvez, a incessante busca por alguém

que eu julgasse melhor do que eu só confirmasse a aversão a mim mesmo. Faltava-me o apreço pela vida. E a minha dor era maior do que a vontade de viver

o que tornaria o suicídio válido como queria Epicuro. No entanto, eu queria superar aquela dor, porque, no fundo, eu acreditava que valeria a pena viver por uma causa

ou por alguém que me fascinasse. Eu encarava o suicídio como uma mera questão de escolha, mas, na realidade, eu queria viver! Caso contrário, não tentaria agarrar-me

a algo. E é, justamente, aqui que se encontra uma pequena contradição: Se eu não acreditava nem na bondade, se era um pessimista nato, onde encontrava tamanha

esperança de que a vida pudesse valer a pena? É que, talvez, apenas talvez a descrença e a ideia do suicídio fossem uma máscara para disfarçar um homem vulgar. Que tinha tanto

medo da morte como qualquer outro. Se Deus existisse, certamente deveria estar ocupado na contemplação de si mesmo como propôs Aristóteles. Não parecia ligar para o que

se passava na minha cabeça. Eu não podia conceber o seu silêncio, a sua aparente indiferença. São os doentes que precisam de médico! A minha descrença, a minha fragilidade,

a minha angústia deveria aproximar-me do Deus pessoal em que acreditam os cristãos! Mas não, ele prefere se revelar apenas aos que estão certos da sua existência. Preferia

o meu Deus maior: o Nada. Não que eu não tivesse tentado aproximar-me do Deus do amor. Muitas vezes tentei resgatar a minha fé, mas ela só mergulharia num poço profundo de

descrença e morreria afogada. Deus, pois, não poderia constituir um motivo para viver. Essa vontade de viver deve ser intrínseca do temperamento do sujeito.Mas ela também pode ser

adquirida. Eu lutaria por esse motivo, antes de decidir matar-me. Mas voltemos ao passeio, caro leitor. Como disse, decidi dar um passeio. Fui à praia. Sentei-me na areia

e prestei atenção ao barulho das ondas e ao seu movimento. Meditei. Não tardou para que uma mulher sentasse ao meu lado. Ela tinha olhos de cigana e parecia ler a minha mente.

e iniciou um diálogo.

-Você não parece muito bem, seus olhos refletem uma luta interna.

- Uma luta interna?

- Sim.

- Pode ver qual a minha luta?

Pareceu concentrar-se. Olhou os meus gestos, verificou meu semblante.

-. Você aparentemente não conseguiu agarrar-se a algo que dê sentido à sua vida. Ao passo que luta por um sentido.

-Exato!

- Onde você acha que está Deus agora? - Ela perguntou.

- Sentado em um trono rindo da minha desgraça. - Eu respondi.

- Como quer que ele o ajude, se você recusa a sua ajuda?

- Ele não se revelou a mim. Duvido que exista.

- Ele não é um ser antropomórfico que pensa com tamanha linearidade.

- Me diga então como ele é.

- O Deus que conheço não reside num trono, ele está em todos os lugares, está em tudo. Independe do tempo e do espaço. O Deus que eu conheço também é você. Parece-me que você quer tudo de mão beijada.

Quer que ele se revele sem sequer você buscá-lo. Ele é você. Há algo em você eterno e transcendente.

-Por favor, não me venha com metafísica barata.

- Como acha que Deus vai se revelar a alguém que o negaria mesmo que pudesse senti-lo, ouvi-lo e vê-lo? Taxaria de alucinação, certo?

- Então ele pensa com certa lógica?

-Ele pensa com uma lógica maior. Mas é simples, se quiser achá-lo tem que buscá-lo.

- Como é essa lógica maior?

-Ela não é linear, nem é movida apenas pela simples razão, mas também por intuição. Mas ela permanece obscura até para mim.

- Você pode ver Deus?

- Ele não tem forma, meu caro, mas posso senti-lo.

-- Hah que bobagem tudo o que você fala.

- Tudo bem.

Eu me apaixonei por aquela mulher inexplicavelmente. Foi algo súbito, desesperado. Toquei em seu rosto, senti com os dedos os seus traços. Beijei a sua face.

Tornei a vê-la em outras ocasiões em que fui à praia. Estreitamos nossa relação. Trocamos número de telefone e marcamos para sair. Eu não acreditava em nada do que ela falava sobre

Deus e metafísica, mas estranhamente a sua visão das coisas me encantava, porque, na verdade, eu gostaria de acreditar naquilo, pois a minha vida não seria insípida. Quando menos me dei conta,

já tinha algo pelo qual valia a pena viver. Aquela mulher me era tão fascinante... Já não pensava em me matar. Se fosse um desejo forte não deixaria de matar-me, mas era um desejo fraco de morte

movido apenas pela insatisfação com a vida. Encontrando alguma satisfação não precisaria matar-me. Há certos tipos que se matariam mesmo possuindo alguma satisfação, conheci alguns

que se mataram por não suportar a sucessão de eventos felizes e infelizes, não suportar a rotina. Mas, no meu caso, eu só precisava de boas sensações. Contemplar aquela mulher já me bastava.

Nossa amizade logo se transformou num caso amoroso. Ela me ensinou várias coisas de hermetismo, metafísica etc. Não que eu tivesse passado a acreditar, mas me interessava aprender para não ser

um mero preconceituoso.

Aquela mulher... De cabelos longos e negros, olhos de cigana, estatura mediana, traços simétricos e delicados... Ela se envolvia numa aura de mistério. Como se estivesse escondendo algo.

Mas nunca me importei com isso.Seu mistério me encantava e queria mantê-lo.

Logo ela veio morar comigo. E discutíamos muito sobre religião, ateísmo e tudo o que estivesse relacionado,

Esquecíamos a rotina, os deveres etc. A minha vida mudara radicalmente. Ela me ensinou a acreditar na bondade das pessoas.Mostrou-me que as relações de poder e interesse não constituem

todas as facetas do comportamento humano. Mostrou-me que há comportamentos altruístas e desinteressados. Minha vida já não era mais insípida.