Colcha de tear
Ganhei de presente duas colchas de tear, uma feita pela minha
avó Francisca Júlia da Silveira (vó Chiquinha) e outra pela minha
bisavó, Melvira Querubina da Silva. Uma dessas colchas é de
1940 e foi minha madrinha Zélia, filha da vó Chiquinha, quem
me deu, a outra, de 1960, foi minha bisavó Melvira quem me
presenteou no meu nascimento. Minha alegria é tamanha em
poder tocar e cobrir com algo feito pelas mãos de mulheres tão
importantes em minha vida. Então, comecei a investigar com
minha madrinha e meus pais como eram feitas essas colchas.
Hoje é tudo muito fácil, coloca-se o carneiro e o pé de algodão
de um lado da máquina e do outro lado saem as colchas prontas
em diversas cores, o bife de carneiro temperado, o couro curtido
e a semente do algodão empacotada pronta para o plantio, quase
como um passe de mágica.
Antigamente plantavam as sementes, depois colhiam o algodão
e retiravam os caroços (sementes). Depois, o algodão era limpo
manualmente (cardado) com uma escova de aço retangular (carda)
cheia de pontinhas e se transformava em grossas mechas de mais
ou menos dois palmos. Os carneiros eram criados nas fazendas,
tinham que ser lavados e colocados dentro do celeiro para secar
para não se sujarem novamente. A lã era cortada deles (tosquiada)
e passava pelo mesmo processo de limpeza do algodão. Aí então,
essas mechas eram passadas na roda de fiar, produzindo um fio
uniforme e torcido, o qual era enrolado na dobadeira e, assim,
transformado em meadas.
Preparavam-se tintas caseiras retiradas da flor da quaresminha,
de alguns frutos e de plantas diversas. Essas meadas eram fervidas
nessa água de tinta por horas e depois eram colocadas para secar.
Quem presenciou esse processo lembra-se dos arcos-íris que
eram os varais durante a secagem das multicoloridas meadas. O
engraçado disso era que as pessoas que tingiam as meadas cada
dia estavam com as mãos de uma cor diferente, sem contar a
quantidade de calos pelo processo repetitivo. Enrolavam os fios
em novelos para depois começarem o processo de tecer a colcha
no tear, que era feito basicamente de madeira. Hora por vez, esses
novelos caíam das mãos e desenrolavam horas de serviços e ainda
corriam o risco de se sujarem.
Esse processo era todo artesanal e lento, além de ser muito
trabalhoso manobrar o tear. As pessoas utilizavam muito os braços
e as pernas, o que fazia com que muitas vezes tivessem as veias das
pernas arrebentadas. As filhas e filhos de minha bisavó Melvira e
de minha avó Chiquinha sabem muito bem como é trabalhoso
todo esse processo e todos na casa ajudavam de alguma forma,
inclusive as crianças.
Com certeza essas colchas vão passar de mão em mão por
muito tempo ainda, pois o material do qual elas foram tecidas é de
ótima qualidade, não sendo descartáveis como as industrializadas.
A mim coube a melhor parte desse processo, contar a história
e me cobrir com essas colchas, sentindo que as mãos de minhas
avós e tias estão a me abençoar em uma ótima noite de sono.
Como seria maravilhoso, se por um descuido divino, Deus
fizesse as pessoas que amamos eternas!
Kennedy Pimenta