Botões fora das casas
“A sociedade, as regras, o conservadorismo, as exigências descabidas e a vaidade fazendo par com o orgulho, acabam destruindo as coisas mais simples e belas que existem ao nosso redor; depois, acordados. nos sentimos tristes, abandonados, infelizes sem saber o por que.”
Ela falava, sentada em sua cadeira de balanço com palhinha no assento (que foi do seu avô) como se ninguém estivesse ali e, ao mesmo tempo direcionando a conversa para “ele” que também, não estava ali e nem ouviria a conversa dela, porque tem 16 anos, não gosta de estudar, diz que vai ser jogador de futebol* e não se dá bem, sequer com um papo que não esteja dentro dos seus “quadrado” de pensamento.
Mas o conto continua, ela fala ele escuta, até quando, não se sabe.
“Por exemplo: botões existem para entrar em suas “casas” e fechar algum espaço. Pessoas vestem uma camisa e tiram os botões das casas (ou desabotoam) até a altura do cinto. Ridículo! Se ao menos tivessem uma barriga lisa, rígida, diria que era uma forma de desfile sem passarela... mas barrigudo, flácido, não dá para "end-tender". Nessa faixa de idade é como banana, encontra-se em pencas.
Outra coisa que fico aqui a pensar e refletir até cansar: nós temos a língua mais bela do mundo, o idioma mais difícil , entre os cinco primeiros colocados, uma variedade de vocábulos que uma dia desse vai precisar de um volume para a enorme quantidade de palavras começadas com uma das letras, ou seja, 24 volumes de um dicionário. Há um agravante linguístico suportável em alguns casos. Muita gente começa a falar com tanta persistência e frequência, que o lindo, belo e útil vocábulo vai para o dicionário. #F***, por exemplo, é um deles . Tudo é #F***. Se é bom se foi feio, se é ruim, se é confortável, se foi alegre, se é triste, se está nas paradas, se é "in" ou "out" , tudo é #F***. Aonde vamos parar?”
Ele troca de cadeira, senta-se no chão, muda de almofada, fica em pé, senta-se de novo, coça a cabeça, puxa a cueca para ficar acima do cós da calça. (é moda) Enfim, inquieta-se comemoravelmente por antecipação. O quê? Não sei, talvez a vontade de “tô noutra” ou “Vou em umas ali” ...
Esse é um conto que conto para todos que conhecem um quase homem ou uma quase mulher parecidos, não me refiro a ninguém em particular, mesmo porque se o assunto fosse este, seria um livro inteiro com o mesmo assunto, maçante e invendível, um bestseller, ou ainda do tipo "nadaaler ."
O rapaz, perto de mim é educado, não quer afastar-se ou dizer “numa boa, mas tô indo” e vai ficando ...e eu? Vou falando... um dia ele vai lembrar e talvez falar para seus filhos, mas nada vai resultar porque seus filhos vão “estar em outros mares"!, voando em para- pentes de minúsculos pentes . Além disso, as cabecinhas deles não estarão funcionando com afastamento, proximidade, regras, beleza, sonoridade, de palavras. Ah! Não mesmo. -Sonoridade? O que é isto? A gente diz pancada boa, grito legal, tom terrível, musica sinistra, e por aí vai.
Volto a pensar nos botões... e lembro e penso ...ah... se eles experimentassem uma só vez... eles pirariam de tanto prazer, alegria, tamanha a sutileza , beleza, gostosura das emoções:
Começo a cantar baixinho:
"Os botões da blusa que você usava
E meio confusa desabotoava
Iam pouco a pouco me deixando ver
No meio de tudo
Um pouco de você
[...]
Chovia lá fora
E a capa pendurada assistia a tudo
E não dizia nada
E aquela blusa que você usava
Num canto qualquer
Tranquila esperava"
OOps! Ele acordou! ...
- O que é isto, vó? Estava cantando?
- Não... estava conversando com meus botões... em como eles são lindos e sabem coisas que ninguém imagina...
- ahahahahahaha isso é coisa de velho e a senhora não é ainda
- pois é não sou ainda, mas já converso com eles , você também vai conversar um dia, é muito bom, melhor que qualquer terapia fantasiosa , moderna e de alto poder de cura de "cara amarrada" ou depressão.
- eu? Pirou. Vó?
- Pirei e você também vai pirar, escreva aí, com caneta de ouro e tinta dourada.
- Tá; mas... o que é "isto" que a senhora estava cantando?
- O que é "isto?" "isto" é a letra de uma canção, nunca ouviu?
- Nunca... mas é bonita prá #C****** . Bem que a turma podia botar um pique de zoeira mais pesada , daqueles de arrebentar e virar isto em rock punk.
- Rock? Você sabe o que é isto?
- Claro! Quem não sabe? Vê se conhece esse: ligou o som, colocou em meus ouvidos dois trecos enormes e escancarou o volume. Quase caio da cadeira. (O pior é que a letra parecia ser em outro idioma que nunca ouvi e sempre repetido. Na verdade, a letra era apenas uma frase de dupla interpretação. Não ouvi o resto, porque era tudo igual.)
Depois ele começou a fazer umas coisas no chão e no ar que pensei que ele estava tendo um ataque epiléptico, língua prá fora, vai babar, pensei. O que vou fazer? colocar um pano dentro da boca? pânico total.
Caia de uma certa altura no chão ... certamente no outro dia, teria fraturado uma costela, ou punho ou face, sei lá.
- Gostou. Vó?
- Espera, agora você vai ouvir e depois a gente conversa, combinado?
- Tô dentro!
- Claro, mas se quiser vamos lá para fora
- risos, gargalhadas; não, tá bom aqui (como se eu fosse uma demente e nem pudesse andar)
-Pequei um CD mesclado com Beatles ,Mutantes, Abba , Kiss, Guns 'N Roses, Led Zeppelin, Elvis, Bruce, Bon Jovi, Pink Floyd, Rolling Stones, Jimmy Hendrix, Queen.,,Os Incríveis, Yello e outros e pedi que ele colocasse para tocar. Meio barro, meio tijolo, uma preguiça... ele foi.
- Alguns já ouvi... Tem gente boa aí... Outros são muito devagar
- Tem? Ainda bem... devagar está você querendo parafusar o chão com a cabeça. Não vai conseguir, nem tente.
De repente chega uma turma de ”botões!” que não se encaixavam na minha “casa”, saem logo de fininho e ele , o rapaz, estancou:
- Péra aí turma, já vou; levou-me a um canto da varanda e disse:
- me empresta esse CD prá eu gravar e dá um pá prá galera?
- Nem pensar. Venha aqui, traga a mídia e faça isto aqui. Esse CD é uma parte de mim, da minha vida.
- Combinado, enquanto gravo a senhora leva um lero com os botões...
- Isso, Isso.
Ele saiu, meu galã , (porque é muito bonito o meu neto. )
balançando -se charmosamente como um navio, virou a cabeça e disse:
- Pode ser amanhã? combinado?
- Pode sim, combinado!
***
Nota importante:
Nada tenho contra a profissão de jogador, corretor, vendedor de seguro, camioneiro, manicure (ou seria manicura?) nem como o instrumento de trabalho. O que seria de muita gente sem eles? Sou contra, o jogador de futebol que não estudou, não estuda, é desinformado, não se atualiza e, dessa forma, torna-se, querendo ou não, apenas um botão que caiu de uma camisa e nunca foi achado.