Excêntrica conduta

Se quiseres poder suportar a vida, fica pronto para aceitar a morte.

Sigmund Freud

Cobria a discreta transparência do vestido, um sobretudo de bom caimento, daqueles olhos negros brilhantes,expressivos de uma insanidade completa de agitação,de uma vigília constante,uma personagem que apesar de sua estranhice,era de uma beleza natural; aos olhares desejante dos corações desocupados e fantasias dos que só podiam sonhá-la.Afinal, o que há para além das argolas doiradas?

Mas não notava,nem se interessava por nada, ocupada com as bactérias,fungos,e tantos outros organismos ,o que a mantinha atualizada ás novidades quanto á bactericidas,só não se convencia de que a maioria das bactérias não fazem mal,sua convicção era de que estes organismos,adentram a pele,como ocorre nas noites alucinadas que lhe tiram o sono,sentindo-as andar pelo corpo,invisíveis,os miseráveis.”Não deixo de cuidar,fico alerta,elas não vão me vencer,você me compreende? Veja Ana estão por toda parte,pise Ana,ali,ali!!"

Depois de algumas horas,Ana a fiel secretaria,mais para anjo daquela infeliz a acalmava,era assim aquele destino, sofria constantemente em seus temores. O que a levara a tal comportamento?,que mundo obscuro era aquele que a mantinha acorrentada? silêncio é a resposta. Compulsiva ao extremo,dedicava-se em tempo integral as suas excentricidades,demasiadamente exagerada,a cada crise feria-se, desenvolvera aversão a alimentação, todo alimento que contesse sangue ou que fosse relativo a algum ser vivo; alimentava-se de cereais raízes e frutas,e bem pouco,dizia que ,após a alimentação exércitos de bactérias se espreitavam na parede estomacal,consumindo a vida por dentro.Era uma coisa aquilo,tinha justificativa para tudo,as mais absurdas,mas tinha.Alegrava-se as compras excêntricas, como premio as apresentava aos olhares pasmos diante de sua fixação

-Ana minha filha, veja esta luva,por fora renda,linda !,dentro um sintético ante fungos,sinta o perfume suave de rosas frescas,mas não te enganes, é um potente antibactericida,valeu cada centavo, uma ninharia comparado a beleza e serventia,afinal sirva-nos o dinheiro ás loucuras,o que achas?

- Muito bonita senhora,mais uma pra sua coleção.

Orgulhava-se de suas luvas,usava diariamente,trocando-as em frações de minutos,após longa e vigorosa higienização.

Deus! E cumprimentar alguém?”Que ninguém venha falar comigo”,falava baixinho como se fosse aos céus uma prece ”e respirar o ar das ruas,frequentar lugares,multidão? Raríssimas vezes saia,e quando fazia, um martírio,uma provação em rituais,como contar em sequências impares os quarteirões, árvores, casas e tantas mais manias . Tornara-se fóbica, á tudo que tinha aspecto nocivo,o medo a dominava ,um medo inconsciente,sem forma,um espectro ao seu lado impregnado na alma e na casa sem decoração,tapetes ou cortinas,apenas o essencial,paredes nuas de uma brancura decadente,fria, assinava a loucura refletida no chão de granito, um espelho, borrifado a cada hora por soluções a álcool,sprays,antibactericidas,um ritual interminável.O extermínio de micro-organismos, liberava outras mais nocivas,mas não adiantava explicar-lhe,sua mente doente,era imutável, seu sistema imunológico alterava-se,apresentava alergias e ferimentos que não cicatrizavam,acentuando lhe a palidez pelos vômitos constantes,mais morta que viva naquele mundo construído no medo.

Numa manhã de outono,depois de sua toalete ,olhava pela janela o mundo, aquele caminho, parecia bonito, livre, convidava a tocar,provar, o que temia,sentir o vento,ganhar o horizonte,parecia uma aventura perigosa,pensou:”se ainda forças tivesse,quem sabe,mas era tarde”.Sentiu-se como as folhas envelhecidas,mortas,caindo num vão inconsciente,sem domínio,tudo escureceu.

Pois,veja meus senhores a ironia de um percurso a galope no tempo,

Ali,sim estava ela ,calado os apelos na voz da consciência,desperta ante a epigrafe escrita em letras góticas “consumado,”repente a visão em via a escuridade,causou-lhe impacto naquele sepulcro,onde o cérebro não pensava, mas com frieza ,ria,e mais alto e mais, as gargalhadas ante cena final,enquanto estrangulava aquele silêncio ruídos infernais ,rasgando,triturando, um batalhão deles,carnívoros,amontoavam-se na boca , narina,um cenário torpe assombroso,pensou: “ cômico,enfim, ..”calma,estava calma, diante do que mais temia, ratos,baratas,vermes, sendo ela, a refeição .

Dançando com lobos
Enviado por Dançando com lobos em 17/07/2013
Reeditado em 17/07/2013
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