DesIgual

 
Seu nome era  Antônio. Ele tinha algumas dificuldades muito próprias.  Por exemplo, quando tentava desenhar uma linha reta, ela saía toda torta. Quando todos à sua volta olhavam para cima, ele olhava para baixo. Ficava olhando para as formigas, os caracóis, em sua marcha lenta, as florzinhas do caminho.
Se ele achava que ia fazer um dia lindo e ensolarado, chovia. E lá se ia por água abaixo, todo o piquenique programado.
Por outro lado, enquanto os amigos amavam a redonda de couro, ele gostava das de vidro. Se um  da turma fizesse o mais camuflado gesto de gentileza, tipo abrir devagarinho a porta para a moça entrar, ele já bradava:
Prá quê isto?  quer mostrar o quê? precisa ser gentil para quê? ridículo! patético!

Um dia, de manhã bem cedo, Antônio estava andando , divagando, quase meditando (o que nãda tinha a ver com ele)  de costas contra o vento, quando deu um tombo pesado em uma bonita moça, e descobriu que ela se chamava Tina.
-Tina de encher de água? A moça quase sai correndo, porém, virou-se para ele e disse calmamente.:  não... Tina de canTINA, você deve conhecer, pelo peso...
- E você, disse ele, já notou que parece uma lata com ferrugem? 
- O QUÊ? 
- Isso que você ouviu , está cheia de bolinhas da cor de ferrugem e, quando mais velha, daqui a pouco , vai parecer que está vestida de branco, com bolas marrons. Basta um vestido, nem precisa ficar naquela eterna dúvida que as outras têm. Uma vantagem...
- Você tão inteligente e espirituoso, criativo e sem graça que deveria chamar´se de Antônimo e não de Antônio
- .... é?.... - É, ignorante, vai ver o que significa,

Espera, eu só fiz uma brincadeira... Pode brincar com meu nome, se quiser.
Você tem outro nome além desse?
Sim!  Antônio Passarinho dos Anjos, respondeu meio constrangido e com um sorriso pálido. Dá para fazer muitos nomes não é?
Mas Tina era diferente , já pensava em outra coisa e tudo o que ela fazia era certinho. Nunca amarrava os cordões de seus sapatos de forma incorreta e seu pão com a manteiga quando caia, nunca a manteiga estava para baixo.
Ela sempre se lembrava do guarda-chuva e até sabia escrever o seu nome e outros com a mão esquerda, treinava para que um dos sentidos pudesse  "atuar" como o outro, ela dizia.
- Você é meio  desligada, menina; acorda! que armação filosófica é esta?
- Não é filosofia, é  unidade, holismo, singularidade  variada, entendeu? E ele respondeu: o quê? você disse algo?  e emudeceu. Antonio  sentia-se muito bem emudecido, quando nada tinha a dizer, ou não sabia opinar.Comportava-se muitas vezes como uma estátua, ou soltava uma frase que estava presa e enferrujada, do tipo fora de hora:- não vou mais fazer brincadeiras com seu nome...
-Então vamos brincardecadeiras?   E os dois jogaram-se na grama e riram muito, cada um imitava uma cadeira diferente
Antônio ficava encantado com tudo que Tina fazia. Foi ela que lhe mostrou a diferença entre direito e esquerdo. Entre a frente e as costas, do jeito dela, claro, um jeito inovado..
Um dia, eles resolveram construir uma casa na árvore. Tina fez um desenho para que a casa ficasse bem firme em cima da árvore. Claro ela amava os galhos e o verde e ele, os números e o serrote. Já estavam grandinhos, mas que não pensa em ter uma casa em uma grande árvore? Você não? eu penso!
Antônio juntou uma porção de coisas para facilitar o trabalho. Tina unia idéias para enfeitar a casa. Os dois acharam tudo muito engraçado. A casa ficou linda, embora as trapalhadas dele desmoronassem tudo de vez em quando .
Bem no fundo, Tina gostaria que tudo que ela fizesse não fosse tão perfeito. Ela gostava da forma de Antônio viver e ver a vida.
Então ele lhe arranjou um casaco e um chapéu que não combinavam. E toda vez que brincavam ou saiam para um sorvete, ou ver um filme, Tina colocava o chapéu e o casaco, para ficar mais parecida com Antonio.
Depois, ele ensinou Tina a andar de costas e a dar cambalhotas.(como se ela não soubesse...)
Juntos, rolaram morro abaixo. E juntos aprenderam a fazer grandes pipas de papel e a fazê-las voar para muito longe.
Antonio amava água, era um peixinho que dava cambalhotas no rio o dia todo se não fosse ter que ir à escola. Tina adorava a terra e o vento; andar com os pés no chão, era muito dez e, se estivesse com uma camiseta ou por baixo da que usava, arrancava-a e saia correndo, segurando as pontas da manga e gritando:
- Voa  Giovata, voa!  E Antonio dizia: viu? você até já está mudando o nome da bichinha. Ela não dava por menos e dizia: - mudei mesmo, esse é mais bonito e tem as mesmas letras.
Foram crescendo e, na adolescência ficaram noivos com anéis de conchas. Antonio fazia um orifício e ia aumentando; depois lixava as partes pontiagudas na pedra até ficarem “confortáveis” como ele dizia.
Brigavam muito, principalmente por divergirem de gostos referentes aos elementos. A terra é suja e minhoquenta dizia ele.  E o mar? Fingidor ele é, mostra areia fina depois escurece e pisamos em espinhos. O vento é uma veleza, ele é cheiroso, ele me abraça, ele me conta piadas quando estou triste.  Ah! É?  Quero ver você ouvir as piadas do fogo e as danças que ele faz com os gravetos verdes na fogueira. E era assim. Em qualquer assunto tinha que ter o mesmo de sempre para variar; e variavam mesmo. Principalmente quando ficaram homem e mulher. Era erotismo puro!

Antonio “tinha” um rio que ele chamava Ulisses, por causa da viagem de volta de Ulisses à sua terra e sua amada. Tina tinha um cofre dourado que recebeu quando fez 15 anos de sua avó. Ela lhe disse- Tina, o nome desse presente é Caixa de Pandora, Nunca a perca, nunca a abra; ela contém tesouros, mas só com o tempo você vai poder saber quais são e abri-la. Existem os maus e apenas um bom, mas este vence todos, mesmo que eles fujam se você abrir o cofre. Ele vale mais que todos, por isto nunca o perca. E como vou saber , pensou; depois pensou de novo: ora... vou viver hoje!. Muito segura preferiu guardar o cofre e fingir que o esqueceu .
Um com o outro, aprenderam a serem amigos até debaixo d`água E para sempre.
Era assim Tina
Era assim Antônio
São, foram felizes? 
Sim, às vezes, porém não, na maioria do tempo em que ficaram juntos.
 
 Você já pensou que o nosso grande problema, nas relações pessoais, é que desejamos que os outros sejam iguais a nós e não admitimos  a desigualdade construtiva?

As diferenças fazem a diferença, desde que compreendidas, assumidas, lapidadas e respeitadas.! E tudo fica lindo, como na foto que copiei na NET.