"O RELÓGIO" Conto de: Flávio Cavalcante
O RELÓGIO
Conto de:
Flávio Cavalcante
Ele ainda permanece ali, no lugar mais nobre da minha sala. Eu não sou de dar valor á bens materiais, mas essa réplica de relógio antigo tem sido minha companhia nas horas que eu acordo saudoso. Ele tem um toque melancólico e anuncia cada hora. Isto é; sempre brinco dizendo que esta peça é um artefato educado; pois, ele anuncia ás horas até ás 22:00, depois obedece á lei do silêncio e só volta á tocar ás seis da matina.
Muitos leitores podem estar se perguntando o porquê de um relógio. Eu tenho paixão por relógios; menos de pulso. Não uso esse tipo de relógio desde criança. Gosto de relógio de parede, de mesa, de pé, o que na minha residência tenho vários distribuídos pela parede e móveis. Só no meu quarto tenho cinco relógios. No silêncio da noite ao deitar escuto o tic-tac de cada um como um bálsamo para meus ouvidos; enquanto que para outras pessoas, acham o barulho irritante.
Tenho um primo que diz que eu não tenho um pingo de juízo na cabeça. Uma vez ele dormiu lá em casa e no meio da noite, vi quando ele juntou os lençóis de sua cama e saiu pra dormir na sala, resmungando dizendo que ia endoidar com os tic-tac. Só olhei se meus relógios estavam todos no lugar e estava tudo certo, conforme á ordem natural das coisas.
Esse relógio que eu tenho em minha sala é de um valor sentimental homérico. Foi um presente da minha saudosa mãe e veio diretamente de Maceió para minha residência no Rio de Janeiro. Posso dizer que foi o último presente que eu ganhei da pessoa mais importante da minha vida, que agora já não faz mais parte do meu convívio.
Cada vez que ele anuncia cada hora, vem acompanhado de um som, que parece chorar de dor. Acho que ele também chora ao perceber a dor da minha saudade. É meu companheiro quando sinto falta dela.
Não lembro bem a data. Sei que foi no mês de julho de 2009, que tive essa surpresa maravilhosa. Ela havia me falado que tinha comprado um relógio em Maceió para a sala da casa que havia feito um bela reforma e que se tratava de um lindo artefato. Só não sabia que ela comprou em dose dupla e numa manhã de julho recebi a entrega em casa por um caminhão baú. Logo depois que eu recebi a encomenda, minha mãe ligou de Maceió, tentando me explicar por telefone como montar o Relógio. Retruquei de imediato que eu não ia deixar a oportunidade de montar juntamente com ela assim que ela chegasse de viagem. Faltavam quinze dias para ela vir me visitar aqui no Rio.
Ela chegou ao começo de agosto, período que eu gozava férias, exatamente na intenção de ter um mês disponível para fazer 100% de companhia pra ela. Ela representava muito para mim, aliás, para a família toda. Foi uma felicidade muito grande recebe-la. No dia montagem do relógio foi um dia indescritível de tanta felicidade. Montamos juntos cada peça do relógio de da forma que ele ainda se encontra da forma que montamos e no mesmo lugar. Em 29 de dezembro de 2009, ele deu adeus para todos nós de uma forma repentina. A vida tem dessas coisas e nos trás muitas surpresas.
Nunca pensei que este relógio, aparentemente um simples presente, fosse representar em alguns meses depois um baú representante de tanta saudade. Isso é o que eu sinto ao vê-lo tocar sua melancólica música, anunciando cada hora.
Flávio Cavalcante