Violeiros da Saudade - Parte VI - Lágrimas secas em lençóis úmidos
“Lave minha alma
Que sente dores nas noites
Chora nas madrugadas
Ó senhor, minha alma
Coração já nem sabe
Por que a nuvem cobriu o sol
Lágrimas de saudade
Chama a lua pra iluminar minha canção...”
Ainda tremia na cama, sob sua cabana de cobertores enquanto prestava atenção à melodia mórbida que acompanhava os versos de saudade que lhe arrancavam lágrimas.
“Meu amor, hoje se foi
Deixou uma carta por me amar
Foi passear com o vento
Dançar sob o luar
Olho aquela nuvem que me faz sombra
Será proteção à luz do sol
Ou meu amor a me olhar de lá
Daqui de baixo sempre vou te amar”
Era como se aquela voz estivesse lhe traduzindo a alma, mesmo sem ter entendido o que aqueles versos queriam dizer. Aquela melodia lhe abraçava o peito e trazia uma dor insuportável, daquelas que a gente se contorce todo e não adianta nada. Ao mesmo tempo era como se essa dor tivesse sendo tirada do peito dele e era tão intrínseca que doía para ser extraída.
Ao mesmo tempo em que queria defender sua casa, sua fortaleza, seu forte-apache, sua cabaninha de cobertores, aquela música trazia uma sensação de conforto, de compaixão, de companhia. Coisa que há tempos, desde que sua mãe se foi para o hospital, ele não sentia. Já sentia algo forte pela pessoa que não sabia quem era que tocava a música de sua alma. Já imaginava que aquilo era o amor, aquela dorzinha incômoda no peito, perto do estômago. Já não havia mais medo, queria agora abrir a porta da varanda e assistir aquela melodia com os olhos cheios de lágrimas.
Quis tentar definir o que sentia, explicar pra si mesmo o que era aquela sensação bizarra, entender o que era aquele calor estranho no peito e não encontrou palavras. Culpou seu vocabulário limitado por isso e sonhou ser um intelectual daqueles que usam óculos na TV. Inventou palavras como se soubesse seu significado literal e definiu aquilo como “Um ‘sofóglio’ no meio da dor ‘gronsversa’ do estômago”.
Sentia-se dolorosamente estúpido. Falava sozinho consigo mesmo, condenando sua ignorância. Parava no corredor, batia em sua testa, voltava dois passos pra trás e tentava mais uma vez entender por que não estava sentindo medo da pessoa que estava em sua casa tocando sua viola, em sua cadeira de balanço, observando seu matagal mal aparado.
Nem percebeu e a música cessou. Estava com a cabeça encostada na parede gritando de raiva, xingando até o garoto que lhe derrubara da macieira quando tinha oito anos, coisa que lhe rendera uma cicatriz na coxa parecida com uma banana. Quando se deu conta do silêncio ao seu redor, sua exaustão lhe impediu de voltar para seu quarto. Dormiu ali mesmo, no corredor, sem sua cabana de cobertores. Era como se o silêncio lhe devolvesse a paz que tanto sentia falta.