A minha Amiga.

- Me dá tua mão.

Ela dizia e esticava a dela, de dedos brancos e gordinhos, pra eu segurar e atravessar com ela a rua sem faixa, os carros em alta velocidade, a vida. No segundo infinito que ela esticava a mão e eu estudava o gesto, antes de tocá-la, eu percebi que nós segurávamos os dois sentimentos que moviam os mundos: o amor e o medo. Dentro deles se encaixam a solidão, a raiva, as trezentas linhas que a gente escrevia sempre com saudade de alguém. Eu segurei a mão dela, que me puxou com segurança, e fomos atravessando debaixo de sol e temporais uma rua infinita, uma estrada sem limites, lançando tijolos e erguendo nossa própria morada no caminho cheio de buracos e barrancos e precipícios que muitas vezes nos deixavam sem ter pra onde correr. Mil vezes a única coisa que eu tive foram aqueles cinco dedos apertando os meus, e mil vezes eles foram a salvação do dia, a única companhia, o intervalo de felicidade no meio dos dias tristes.

Três meses voaram através da gente, bagunçando o cabelo e os planos e teve um dia que eu decidi viajar e ficar sozinho em outro lugar. Acho que foi pura insensatez escolher ficar longe do cais, navegar sem bússola, eu ia de olho fechado e sem saber pra onde. E mesmo no nada eu sentia a mão apertando a minha ainda. Um dia, a gente deitou perto de um refletor verde, na ponta de um lago espelhado e debaixo de um céu de chocolate, colocamos as músicas mais tristes do mundo e choramos deitadinhos ali, abraçados, dois fetos indefesos, dois loucos tristes, dois restinhos de pessoas, grãozinhos de areia no meio do mundo.

Aí eu viajei e fiquei muito tempo numa cidadezinha do interior do estado, os dias ornados a mensagens e ligações e espera e ansiedade pelo dia que eu voltasse e estivéssemos melhores, maiores à nossa própria maneira. Todo o medo dela, eu queria que virasse coragem. Toda a falta de fé, em esperanças infindáveis. Todos os dias, todos os meses, as incontáveis horas e eu de pé na portinha da igreja pedindo com meu pouco de fé que a gente se salvasse. Minha amiga não acreditava em Deus, eu tentava acreditar por nós dois. Eu tinha medo do mundo, ela era um caminhão selvagem que derrubava as cercas e me levava dentro do colo, protegido, quente, amortecendo nossas quedas. A minha amiga era minha namorada, minha esposa, minha filha, minha mãe, o colete salva-vidas de todas as vezes que eu afundava os meus navios de esperança e alegria. Eram copos de cerveja e cigarros rasgando nós dois por dentro, era o mundo rasgando por fora até que logo nós seremos fiapos de existência. Mas eu volto em breve, porque minha casa é onde ela está também. A minha amiga é meu lar, e meu repouso de repente ganha forma, cabelos pretos e batom vermelho. A minha amiga é o braço direito, meu equilíbrio natural e quando eu penso em nós dois, sempre me resultam duas compreensões na cabeça... A primeira é que, ao contrário do que pensam, somos absurdamente humanos e como todos os outros humanos, estamos aqui para salvarmos uns dos outros. A segunda é que, por todos os momentos e lembranças, eu finalmente começo a acreditar no melhor do mundo e das pessoas. A minha amiga é, no fim das contas, a esperança mais bonita que eu ganhei no ano.