Assunto liquidado

Um frio agonizante, o chão de pedras, um vento que não cessava e a rua deserta. Uma lâmpada de luz branca, no poste, dava apenas para ver a parte dianteira do carro e um ocupante na direção. A calefação estava desligada e o motor sem funcionamento.

Magro e forte, o tal que ocupava o veículo. Sobretudo curto, um gorro de lã, sapatos de sola grossa e calça de veludo. O trinta e dois cano longo cuidadosamente ajeitado na cintura. É ótimo para tiros precisos, por não ter recuo forte. Esperava calmo, não adiantava ter pressa, o casal jantando no bistrô elegante tinha todo o tempo do mundo. Medalhões de filé mignon, acompanhados de salada de tomate, rúcula e aspargos. A elegante taça de vinho mostrava o líquido vermelho e brilhante. Excelente qualidade, sem ser caro. Qualquer conhecedor de vinhos honestos sabe que nada justifica o preço superior a cinquenta reais, pouco menos do que vinte e cinco dólares, uma garrafa. Os produtores e os falsos entendidos teimam no mundo inteiro, e existem marcas e safras realmente com preços absurdos. Pura idiotice, qualquer vinho produzido em Napa Valley, Califórnia, por mais simples que seja, não tem qualidade inferior.

Assunto que não preocupava o homem que estava examinando com cuidado o trinta e dois, engatilhando e soltando o mecanismo com o percussor, observando o perfeito funcionamento do tambor que girava perfeito a cada movimento de armar. Retirou um dos cartuchos. Brilhante, cor de moeda dourada nova. Na extremidade, o objeto que já tirou e vai continuar ceifando a vida de muitos. Envolvido numa camada fina de metal branco, a ponta de chumbo tinha seu início perfurado. Guardou a arma e esticou as pernas. Já estava sentado há duas horas e meia.

No restaurante pequeno, o casal já havia pago a conta, enfrentava o frio da noite e se acomodava no automóvel francês, mas montado aqui mesmo.

O trânsito amanheceu confuso, no dia seguinte. Ainda estacionado, um carro estava sendo fotografado por peritos criminais que tomavam cuidado para não mudarem, por algum acidente, a posição dos corpos. Um homem e uma mulher, ambos mortos por certeiros tiros, dois em cada um.

Os policiais cumpriam sua missão técnica. Sabiam que o autor não seria apanhado, havia sido crime cometido por profissional.

Num bar próximo, o homem que estava na noite anterior com o sobretudo cinza escuro, tomava uma xícara grande de café e fumava, esperando o seu cliente para ambos darem uma olhada no que estava acontecendo.