"HISTÓRIAS DE UM 171" (PARTE 01). Conto de: Flávio Cavalcante
HISTÓRIAS DE UM 171 (PARTE 01).
Conto de:
Flávio Cavalcante
Se me contassem por aí uma história como esta, posso afirmar que eu não acreditaria nunca, mas se trata de uma veracidade e depois que eu presenciei alguns fatos, tenho certeza que a gente ainda não viu tudo neste mundo de meu Deus.
Abrindo um parêntese aqui, para fazer uma explicação para quem não sabe o que é um 171. É um artigo do código penal brasileiro , sob o decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940. Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.
É impressionante como existem pessoas caras de pau e o pior é que essas pessoas sempre sabem se sair das enroladas que elas mesmas se envolvem.
Aconteceu com um grande amigo de trabalho conhecido por Marcos. Sempre depois do trabalho saíamos para tomar umas cervejas geladas para amenizar o cansaço do dia estafante de trabalho.
Era por volta das 22:00 hs e eu estava no bar esperando o Marcos chegar que já demorara bastante, o que já estava me deixando muito preocupado. Eu nunca tinha saído naquele horário do trabalho e ficamos jogando conversa fora na mesa do bar. Repentinamente vejo que o Marcos todo produzido com uma roupa de motorista de ônibus e detalhe até a toalhinha para secar o suor estava repousada em seu ombro. Confesso que não entendi nada. Toda noite ao sair do trabalho, Marcos vestia aquele figurino conhecido no local como LEÃO. Também nunca entendi o porquê desse nome. Mas tudo aquilo era para pegar o ônibus, entrar pela frente como se fosse um motorista vindo trabalho. Segundo alguns colegas da empresa que eu trabalhava, falaram que ele já era acostumado á fazer aquele tipo de façanha.
Numa determinada noite eu estava no bar e já estava acostumado á ver o Marcos com aquela roupa estranha, diferente da que ele vestia no dia a dia na empresa, no local de seu trabalho original. Neste dia por obra do destino precisei pegar o mesmo coletivo que ele. Presenciei uma cena única. Ele entrou pela frente e eu entrei pela parte traseira do ônibus, onde antigamente ficavam os cobradores. Paguei minha passagem e passei na roleta. O ônibus não estava tão cheio. Era um coletivo bastante velho da linha 756, com destino á Senador Câmara. Percebi um enorme bate-boca lá na frente e algumas pessoas falavam alto em tumultuavam. Pensei que fosse alguma confusão. O motorista parou o coletivo e exigiu o documento do Marcos 171, todo trajado de motorista de outra empresa. O que chamou a atenção do motorista foi que o uniforme do Marcos era de uma empresa no centro da cidade e ele pegava toda noite já bastante tarde na periferia, que ficava no outro extremo da cidade e não tinha lógica alguma um profissional do volante daquela empresa pegar aquele coletivo naquele local e naquela hora.
- Boa noite, senhor! (Falou o motorista para o Marcos). Daria por gentileza me mostrar a sua carteira de identificação, por favor?
Marcos naquele instante virou para o colega e falou bastante sério e em tom alto na intenção de intimidá-lo.
- Qualé, meu irmão, vai querer esculachar o colega á essa hora da noite? Saí do trabalho agora cansado, doido pra chegar em casa e você me vem com essa?
O motorista insistiu em pedir o documento aí foi que eu achei mais engraçado. O Marcos jogou a bolsa no chão abriu o Zíper e começou a procurar o tal documento. Revirou tudo e não encontrou nada.
- Putz... Deixei aquela desgraça em casa. Tudo bem amigo. Pode parar no próximo ponto. Tou vendo que não vou arrumar nada com você.
O motorista parou no ponto seguinte e debochadamente Marcos ainda discutiu com o motorista.
- Só tenho um recadinho á lhe dar. Quando eu lhe encontrar esperando ônibus no centro da cidade, eu vou te deixar á pé, hein?
E desceu com a maior cara de pau, pegou a toalhinha e começou a secar o suor que não existia e pegou o outro ônibus de trás.
No dia seguinte, assim que chegamos á empresa, todos os colegas de trabalho ficaram sabendo da façanha do Marcos e caçoaram com ele até ele ficar “p” da vida. Ele confessou que já era acostumado a fazer aquilo e ainda nos contou um caso que ele com aquela mesma roupa estava vindo trabalhar. Parou no ponto de ônibus para esperar a condução. De repente do nada surgiu um motorista com o mesmo uniforme. Aproximou-se dele e disse.
- Bom dia, companheiro? Trabalha na mesma empresa que eu? (Desconfiado, Marcos afirma com a cabeça que sim. O Motorista continua a interrogá-lo).
- Engraçado, irmão! Eu trabalho há trinta anos na empresa e nunca lhe por lá... (Marcos arregalou os olhos para o moribundo com ar de louco e disse).
-Saí da condicional agora mesmo e a única roupa que me deram foi essa merda aqui. Pra fazer outra merda e voltar pra lá não custa. Rala, rala, rala.
(O motorista saiu do local correndo e desesperado. Marcos pegou um ônibus que vinha logo atrás e foi trabalhar normalmente).
É muita coragem de uma pessoa fazer uma coisa dessas. Eles podem até se dar bem, mas, hoje é da caça, mas amanhã pode ser do pescador.
Flávio Cavalcante