_ Bom Marinheiro!
_ Olá, Seu Pereira!
Sentado no bar do bairro, Robertinho saudou o experiente carteiro.
 
Observando as pessoas circulando, o rapaz começou a refletir sobre a existência, seu cotidiando e, principalmente, sobre o futuro.
Robertinho não costumava filosofar, porém, naquele final de tarde, sentiu um certo anseio filosófico invadir a alma.
 
Robertinho, somando quinze anos, perdeu os pais num trágico acidente.
Depois disso, passou a morar com uma  dedicada tia.
Quando terminou o Ensino Médio, decidiu morar sozinho na antiga mansão onde cresceu.
Os pais dele lhe ofertaram uma herança bem razoável a qual permitia o luxo de não trabalhar.
 
O rapaz, agora com vinte anos, é um amante da boemia.
Diariamente acorda cerca de oito horas, caminha até o famoso bar de Seu Daniel, pede uma xícara de café e um sanduíche de mortadela.
Após o desjejum, fica jogando conversa fora, às vezes disputando um descontraído dominó com os aposentados do bairro.
 
Meio-dia costuma saborear o prato do dia sem jamais dispensar um doce de goiaba como sobremesa.
 
O resto da tarde segue estimulado por refrescos.
Seu Daniel sabe preparar deliciosos refrescos.
O moço aprova todos os sabores, porém prefere o refresco de manga.
 
O nosso querido boêmio nunca curtiu bebidas, portanto ele talvez não possa ser considerado um autêntico boêmio.
No campo da paquera, entretanto, no finalzinho da noite ele visita a Casa da Júlia, provando diversificados braços femininos carinhosos.

Somente no início da madrugada Robertinho descansa.
 
Eis o resumo da rotina do simpático Robertinho.
Robertinho?
O que Robertinho tem a ver com “Bom Marinheiro”?
 
Roberto Filho, o carismático Robertinho, usa um boné de marinheiro.
Novinho, o cumprimentavam dizendo:
_ Tudo bem, Boné de marinheiro?

A dinâmica da língua provocou uma evolução: “Boné Marinheiro”, Bon Marinheiro”, “Bom Marinheiro”.
Hoje as pessoas falam “Bom Marinheiro” ou só “Marinheiro”.
 
* O jovem, observando a maioria da população retornando do trabalho, experimentou uma profunda vergonha.
“Por que não trabalhar?”
“Seria bom conhecer o gosto da enxada!”
 
Robertinho abraçou uma decisão radical.
A partir do dia seguinte ele conseguiria um emprego e agiria como qualquer indivíduo normal.
Afinal de contas, não era justo viver eternamente gastando a grana que os pais conquistaram com grande suor.
Ele pretendia deixar a vagabundagem espontânea.
 
À noite o rapaz dispensou a Casa da Júlia, pois queria dormir cedo para se levantar escutando o galo cantar.
“As pessoas normais saem rumo ao trabalho cedo.”
 
De manhã, Bom Marinheiro vestiu uma calça porreta e fina, que apenas usava nos eventos mais importantes, escolheu a melhor camisa que tinha, calçou um bonito sapato preto, colocou o boné, saiu assobiando.
 
Logo notou surpreso que o ponto de ônibus estava cheio.
Não surgia ônibus algum.
 
_ Marinheiro, caiu da cama?
_ Que roupa é essa, Bom Marinheiro?
_ Vai fazer algum exame, cara?
As pessoas riam sem entenderem o que Robertinho queria tão cedo, vestido daquela forma.
 
O nosso herói sonolento recebeu a informação de que os trabalhadores realizavam, exatamente naquele dia, o “Quero Trabalho e Dignidade”, um ato reivindicatório que reunia várias categorias profissionais do país.
 
Sem poder ir procurar trabalho, Marinheiro foi ao velho bar e decidiu saber as condições que motivavam o surpreendente protesto.
Robertinho não via TV nem lia jornal, estava desinformado e alienado.
 
Ele ficou sabendo que os professores ganham muito mal, que as escolas não facultam um ensino de qualidade.
Recordou os dias de escola.
Ele mal freqüentava o ambiente escolar.
“Como pôde ser aprovado?”
 
Explicaram também que a saúde está na UTI, que falta o básico, que as pessoas morrem porque não são atendidas.
Robertinho compreendeu que os ônibus oferecidos são péssimos, que demoram demais, que o pobre trabalhador chega atrasado.
 
Escutou os mil motivos que geraram o “Quero Trabalho e Dignidade”.
Esclareceram ainda que a aposentadoria do povão é indigna, que, na fase derradeira, o trabalhador está cansado e sem uma remuneração justa após ter esgotado as forças.
 
Entristecido Marinheiro viu a noite chegar.
Na Casa da Júlia não dançou, mas não dispensou o incentivo sexual.
 
De manhã, cerca de oito horas, se levantou e foi, conforme sempre fez, até o bar de Seu Daniel.

_ Desistiu de procurar trabalho, Bom Marinheiro?
_ Seu Daniel, eu percebi que a vida de trabalhador é muito humilhante. Acho que vou preferir curtir a minha modesta vidinha de preguiçoso, comendo sanduíches de mortadela, provando saborosos refrescos, jogando conversa fora e, à noite, não posso esquecer de afogar as mágoas na Casa da Júlia.
_ Mas desse jeito você não vai ter mágoa alguma para afogar!
 
Os dois deram uma gargalhada enquanto o prestativo Seu Daniel servia o café acompanhado do tradicional sanduíche de mortadela.
 
Um abraço!
Ilmar
Enviado por Ilmar em 11/07/2013
Reeditado em 11/07/2013
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