SAUDADES, BIANCA

Por dois dias seguidos andei sem parar, sem destino algum. Atravessei ruas e estradas desafiando esse Deus injusto. Sim, desafiando Deus, ou talvez, queria que ele novamente fizesse o trabalho sujo, por não ter coragem de me suicidar.

Meu estômago roncava, mas não tinha fome. O sol castigava minha pele ao dia, e a noite fazia carícias. Já não tinha lágrimas, já não tinha forças, não queria viver....

No fim desses dois dias, caído ao chão, uma senhora segurou minha mão. Não conseguia parar de fitá-la, ela tinha uma doçura sem igual, pela primeira vez em dois dias, as lágrimas vieram novamente. Adormeci nos braços daquela senhora, sonhei lembrando aquele que era pra ser o dia mais feliz da minha vida....

-Bianca, Biquíni?

-Aqui, papai.

-Protetor?

-Na bolsa da mamãe.

-Toalha, seu leite, seu baldinho?

-Tudo aqui, papai.

-Meu abraço?

Bianca, tinha 6 anos. Estava realizando seu sonho de conhecer o mar, Fernanda, minha esposa, também estava muito alegre, desde quando tinha 10 anos nunca mais voltou a praia.

Chegamos no hotel, ás 08:00 da manhã. Bianca, rejeitou o leite, sua comida, estava ansiosa demais para comer alguma coisa. Só perguntava a cada minuto:

-Papai, vamos, falta muito pra ir pra praia?

Fernanda e Bianca, ignoraram aquela areia escaldante e correram em direção a água. Pareciam dois peixinhos salvos da isca da pesca, pulavam, jogavam água uma na outra e mergulhavam.

-Papai, me enterra na areia? Depois vamos lá na água, quero entrar no seu colo lá no fundão, me leva, me leva, me leva. Falava demasiadamente Bianca

Nunca fui religioso o bastante, mas naquele momento com minha família, tinha algo em comum com Deus, o amor fraterno.

-Fernanda, cadê a Bianca? Perguntei.

-Não sei amor, ela não estava com você? Cadê ela Ricardo. Respondeu aumentando gradativamente seu tom de voz ao ver um helicóptero sobrevoando a água e muitos bombeiros correndo na areia em direção a água.

-Ricardo, cadê nossa filha? Cadê, cadê, cadê. Gritava Fernanda batendo no meu peito com seus olhos cheios de lágrimas.

Fernanda correu freneticamente em direção a água, eu sentia como se mil facas perfurassem meu peito, jurava que contaria cada grão daquela areia se não fosse Bianca. Jurava.

Deixei de escutar os barulhos da ondas, deixei de escutar Fernanda gritando, não por causa de seu desmaio, somente deixei. Deixei de escutar tudo, por um instante ganhei super poderes, mas não, deixei de escutar tudo por um único motivo; Escutar a respiração de Bianca.

Ali, deitava naquela areia quente, os bombeiros fazendo massagem em seu pequenino peito e soprando sua boca.

De joelhos, não pude aguentar o sinal negativo da cabeça daqueles anjos que tentavam salvar a vida da minha filha. Chorei como nunca chorei antes, tão nova. Tão nova.

-Pararam? Não, continuem, é minha filha ela vai ficar bem não vai? Não vai? Biancaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa, filhaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa, papai tá aquiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii. Minha últimas palavras antes de juntar-me ao desmaio de Fernanda.

Fernanda não me reconhecia mais, nem eu a ela. O caixãozinho branco foi demais para mim. Deixei aquele velório, queria enfrentar Deus onde quer que ele estivesse. Meus amigos tentaram me segurar, Fernanda sequer tirava os olhos do caixão, eu sai, sem saber pra onde.

Por dois dias seguidos andei sem parar, sem destino algum. Atravessei ruas e estradas desafiando esse Deus injusto. Sim, desafiando Deus, ou talvez, queria que ele novamente fizesse o trabalho sujo, por não ter coragem de me suicidar.

Meu estômago roncava, mas não tinha fome. O sol castigava minha pele ao dia, e a noite fazia carícias. Já não tinha lágrimas, já não tinha forças, não queria viver....

No fim desses dois dias, caído ao chão, uma senhora segurou minha mão. Não conseguia parar de fitá-la, ela tinha uma doçura sem igual, pela primeira vez em dois dias, as lágrimas vieram novamente.

-Filho, não julgue Deus. Seu único filho, ele viu morrer de forma trágica para salvar-nos. Você tem todo o direito de revoltar-se, mas não culpe Deus, ele sabe o que faz. Disse a senhora virando as costas e saindo.

Pensei enquanto as lágrimas saíram, como ela sabia de Bianca?

Aquela senhora tinha uma doçura incrível na sua voz, e não me lembro o momento que voltei a pensar em Fernanda. Queria vê-la, já não queria mais morrer.

Fernanda me encarou na porta de casa, tínhamos os mesmos olhares frios e sem vida. Ficamos uns 2 minutos nos encarando sem dizer nada, apenas olhando um ao outro. Num impulso a abracei como nunca abracei antes, chorávamos, chorávamos muito. Eu beijava Fernanda, pedia desculpas, pedia perdão, ela fazia o mesmo. Dormimos abraçados aquela noite. Eu não deixava de pensar naquela senhora.

Passaram-se 4 meses da morte de Bianca. Fernanda estava grávida de uma menina, nossa casa estava repleta de felicidade novamente e pela primeira vez desde a morte de Bianca, consegui perdoar Deus.

Eduardo monteiro
Enviado por Eduardo monteiro em 04/07/2013
Código do texto: T4371484
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