Canto do Sertão

Canto do Sertão

Sujeito baixo, cabelos brancos, pele rachada, pega a estrada pra não sei onde, leva contigo mulher e filhos, uma corrente de filhos, seis. Deixa pra trás o sertão do Piauí, terra dura de chão em mar de poeira, viveu ali por cinqüenta anos e sempre esperou em preces a chuva que Padim Padre Cícero iria mandar pra curar as fraturas do solo morto, e tal qual Jesus Cristo ressuscitar o verde da palma, a flor do mandacaru, assim não morreriam de fome, Padim nem sempre os ouvia...

O gado morreu a muito, as cabras não dão mais leite o açude é lembrança que o caçula de cinco anos não tem, o velho não tem saída, queria morrer naquele chão, mas nem isso vai poder, se morrer agora deixa a família morrer também e certamente o inferno o esperará. Resta o burrico, um punhado de farinha, o resto de feijão que conseguiu no último ano, matou as cabras, salgou a carne e planejou seu futuro longe da fome, longe da seca, longe da sua terra...

A mulher chora, ao abandonar a casa simples de pau a pique que ela mesma ajudou a embarrear, o fogão que tantas vezes não viu comida, os colchões de palha que ela mesmo fez, não há muito o que ficar pra trás, só lembranças de quando casou-se e foi ali morar com seu amado. Ela junta as tralhas, algumas panelas pra cozinhar no caminho, a moringa feita de cabaça e uns restos de panos pra cobrir o corpo.

Na saída o velho olha pra traz, tira o chapéu em saudação, despede-se em silêncio do Sertão.

No sul a vida vai ser melhor, pega estrada, segue seu rumo pra sabe sei lá onde, São Paulo, pensava o velho.

Meu avô, Filogônio De Oliveira, você foi mesmo um visionário.