O taxidermista

Sua oficina ficava no centro velho da cidade.A atmosfera em seu interior era sufocante. Ela possuía duas janelas que quando abertas mostravam a parede cinza e envelhecida do edifício ao lado que de tão próxima quase podia ser tocada. Ele quase sempre as mantinha fechada, portanto o cheiro dos ácidos utilizados na conservação dos animais nos quais ele trabalhava, já estava impregnado no ambiente e causava um choque olfativo em que entrasse pela primeira vez na sala.

Aprendera o ofício com o pai e acreditava que conseguia resultados melhores que o seu mestre. No momento trabalhava num pequeno símio que fora apreendido e após ser embalsamado seria doado ao museu de historia natural. As etapas necessárias à eterna conservação do animal eram feitas de forma metódica e disciplinada como tudo em sua vida de homem solteiro e solitário. Primeiro um cuidadoso corte na região abdominal para a retirada das vísceras, isto feito o animal adquire uma forma estranha uma vez que a pele se afrouxa sobre a estrutura óssea, fazendo lembrar uma bola de borracha de festa infantil quando o ar escapa e ela se enrruga.

Em seguida serrava a caixa craniana no sentido longitudinal e quando terminava, o tampo se abria como se houvessem dobradiças, exibindo a massa de cor acinzentada com pitadas de um vermelho esmaecido. Fitou o que até a pouco era o responsável pelos sentidos primários daquele pequeno animal que permanecia de olhos abertos, se fechados seria muito trabalhoso abri-los, era preferível ter as duas esferas cinza e sem vida travadas eternamente. Era hora da pausa, sempre no mesmo horário, e foi à rua tomar o mesmo café no mesmo lugar. A jovem atrás do balcão ele não conhecia, e ficou impressionado.Ele nunca tivera qualquer relacionamento com uma mulher, nem com sua mãe que morreu no parto. Uma vez muito tempo atrás, criou coragem e entrou num bordel, não ficou muito tempo. Suas mãos umedeceram , sua boca secou, foi ao banheiro da casa e vomitou de puro terror. Fora sua única experiência, mas agora parecia reviver aquele desejo que o fez entrar naquele lugar. – Pois não. Não houve resposta, ele não conseguia articular nenhuma palavra, sentiu as pernas amolecerem, e as mãos úmidas. - Pois não. Quis pedir o café, mas foi embora sem olhar para trás. Correu para sua oficina e lá percebeu como estava ofegante e gotas de um frio suor lhe escorriam pela testa. Ele não entendia, mas só se sentia seguro junto aos seus animais sem vida, longe do contato com as pessoas.Sua rotina mudou, pensava nela, e o tempo gravou em sua memória como uma tatuagem feita aos pedaços, seus olhos, os lábios, os cabelos, até que bastava fechar os olhos para vê-la. Afinal teve coragem de conversar com ela e lhe falou de seu trabalho e ela quis conhecer sua oficina e marcaram um dia para a visita. Ele agora a queria para sempre ao seu lado, tinha medo de perde-la. E assim preparou tudo para aquele que seria o maior trabalho de sua vida.