Violeiros da Saudade - Parte V - Sobre o medo de enfrentar o medo de enfrentar o medo

Já havia deixado o centro urbano de sua cidade pra trás e agora apertava o passo pra atravessar o matagal. Sabia que não havia perigo, mas aquela escuridão o aterrorizava como se tivesse sempre algo ou alguém o observando. Cada passo tocava o chão com força e determinação de quem não sabe por que, nem de quê, mas foge, lutando por sua vida.

Ao mesmo tempo em que caminhava pensava que seria melhor parar ali e olhar pra trás. Era homem-macho, crescido, responsável e... Apenas mais um que não tomava banho depois do almoço pra não ficar com a boca torta. Tinha medo de pernilongo que cantarola no ouvido de madrugada porque pensa que é bruxa lançando feitiço. Ordenava a si mesmo que virasse pra trás e enfrentasse o que quer que fosse que vinha ali no caminho, mas antes de conseguir decidir se virava ou não, seus pés já tocavam os degraus: um, dois, três, pé direito, pé esquerdo, pé direito, abre a porta de tela, pega a chave, abre a porta, pé direito, sinal da cruz, pé esquerdo, vira, fecha a porta de tela, passo pro lado, fecha a porta, tranca a porta.

Nem reparou, mas cumpriu seu ritual casa-trabalho-casa com esplendor. A essa hora, os olhos pesavam mais que sua consciência e o travesseiro parecia um portal para o paraíso. Precipitou-se sobre a cama, cobriu seu pescoço, sua coberta descobriu seus pés, virou-se para a esquerda e olhou a janela pela última vez antes do dia seguinte. Ali, no canto inferior direito da janela, havia um chapéu preto pendurado pelo lado de fora.

Um arrepio tomou conta de seu corpo por cerca de quinze minutos, até que conseguiu se mover novamente. Não conseguia virar para o outro lado pra dormir, muito menos levantar para ir ver o que era aquilo.

Pensou em pegar sua viola e tocar algumas canções pra esquecer daquilo e talvez dormir por ter se distraído. Antes de levantar para alcançar a viola no pé da cama, se perguntou por que pensava tanto em tantas coisas que ele julgava que a maioria das pessoas não perdia tempo pensando. Percebeu que estava novamente pensando em coisas complicadas e paradoxais e assim ficou por um longo tempo até perceber que sua viola não estava mais lá.

Outro arrepio na espinha lhe assegurou que aquela noite seria um exemplo de fuga da rotina. Enquanto digeria os sustos, começou a ouvir uma triste canção... Logo ali na varanda.

Luiz Otávio Esteves
Enviado por Luiz Otávio Esteves em 02/07/2013
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