Violeiros da Saudade - Parte IV - Como chama mesmo quando a gente gosta de alguém?
No susto que levou, caiu da maca, mas caiu em pé. Percebeu que já podia andar e era hora de voltar pra casa. Empurrou o portão de ferro e se deparou com a estrada que o trouxe até ali, já era noite, mas algo havia mudado... Havia uma atmosfera mística em toda aquela paisagem que ele avistava. Algo no modo como as crianças jogavam futebol na terra, no modo como as meninas passeavam suas bonecas com roupas de festa, no modo como os senhores de idade penteavam o pouco cabelo que lhes restava a caminho do baile na igreja da cidade.
Sentiu uma leve brisa em seu rosto, um cheiro no ar lhe chamou a atenção: era perfume de jasmins que floresciam ali, naquele canto de portão enlameado, cheio de musgo, aranhas e besouros que ele via todo dia, mas não havia reparado. Aquele perfume lhe despertava uma vontade louca de dançar, cantar, se apaixonar..."A-p-a-i-x-o-n-a-r" nem sabia o que era isso "apai-xonar" apenas havia ouvido alguém dizer por aí nesses caminhos longos do dia-a-dia "apa-ixon-ar" não entendia o sentido nem ligava nenhuma parte da palavra à outra pra fazer sentido “a-paix-on-ar” mas sabia que aquela palavra era gostosa de dizer e devia ser algo gostoso como bife de picanha na brasa.
Ficou com aquelas nove letras dançando na cabeça enquanto caminhava todo feliz pelo caminho de volta, sem nem lembrar que havia perdido direito a uma parte de seu salário, sem perceber que sua festa lhe sujava ainda mais o uniforme já inutilizado, sem se preocupar se a imagem de sua mãe lhe surgisse na cabeça, sem dar atenção às vacas que morreram e sem esquecer-se de seu cachorro tão querido.
"Axopainar, panaxoari, raxaipano..." Aquilo de fato não fazia sentido e decidiu que era uma palavra assim como seu nome, algo que não significava nada e não definia nada além de ser o modo como as pessoas deveriam pronunciar uma ordem de letras que chamasse sua atenção quando precisassem dele. Nesse momento já não sabia mais se pensava no fato de seu nome não significar nada ou se chamaria seu filho de Apaixonar, assim sem sobrenome, só Apaixonar. Seu filho não precisaria de sobrenome posto que seu nome não significava nada, assim como seu sobrenome.
Já passava das onze horas, mas o dia seguinte era domingo, dia de descansar na velha cadeira de balanço, na velha varanda, na velha casa, olhando a velha paisagem do matagal por ser aparado, balançando ao som da velha viola que ganhara de seu vizinho, cantando a mesma velha canção de saudade, com a velha questão permanente de não se saber por que cantar a saudade se não se tem de quem sentí-la.
Mas o caminho ainda era longo. Havia muita paisagem pra mudar antes que chegasse naquele amontoado de tábuas que esquenta no verão e esfria no inverno, pra entrar debaixo de um daqueles cobertores que cobrem o pescoço e descobrem os pés, pra acordar cedo pra fazer aquele café que leva o sono embora e queima a língua da gente.
Sua casa definitivamente não era um dos melhores lugares para se estar, mas sua vida era isso: de casa pro trabalho, do trabalho pra casa - ambos péssimos lugares para se estar, mas não havia opções. Onde quer que fosse, levaria consigo sua rotina, suas dores, sua história.