Violeiros da Saudade - Parte II - A existência é efêmera e vilipendiosa
A fábrica já estava no seu horizonte, sabia que agora faltava pouco menos de vinte minutos de caminhada e estaria abrigado sob o telhado cinza que lhe protegeria da chuva que não vinha há cerca de três meses. Não entendia o porquê de sua vontade em estar sob um telhado que lhe impedia de pelo menos entender de onde vinha tanto calor; qual o motivo da morte de suas últimas três vacas que nem pra alimento serviram; qual a razão da febre de seus pesadelos; qual a razão de tantas questões existenciais.
Era homem-macho, crescido, responsável e enjoado de tomar biotônico, mas nem sabia ao certo quem era a criança que ainda morava naquele corpo - nunca teve tempo para pensar nisso. Desde pequeno, acostumado a ser o protetor de sua família - mãe, cachorro e três vacas - não entendia por que as crianças cantavam e rodavam incessantemente com as mãos dadas no que chamavam de ciranda. Não sabia que o que dói em seu peito quando lembra que não lhe resta mais nada além do calor de seu próprio corpo durante as noites áridas se chamava coração.
Ouvia ao longe os passos de um cavalo que vinha com pressa e se virou pra identificar o som. A imagem turva pelo calor do sol apenas permitiu que distinguisse uma pessoa de preto que vinha sobre seu cavalo, também negro, galopando como se trouxesse notícias urgentes...