Violeiros da Saudade - Parte I - Na despretensão da imaginação
A gota do suor de sua testa, apressada em escorrer pelas curvas de sua face, lutando para morrer no tecido das roupas que imploravam por se desfazer no ar sob o calor forte que servia para ele lembrar que o caminho a percorrer era longo. A respiração ofegante marcava os segundos que fugiam de seu controle na pressa que as horas passavam e lhe impediam de conquistar o que almejava. Cerca de dez passos atrás dele, um homem vestido de preto o observava...
Naquele momento imaginou-se nos braços daquela que lhe fazia sonhar, mas não sabia quem era. Olhou para o sol forte como se pudesse ver além do seu brilho ofuscante e logo sentiu que sua pele já estava um tanto queimada.
Sentiu ausência, sentiu saudade, lembrou-se de seu cachorro que morreu mês passado, da folha de alface que comeu no almoço que pagou um real, da sua mãe, coitada, doente naquela cama com as moscas e outros velhos que babavam uma gosma tão grudenta quanto a seiva do cedro e, quando se lembrou de prestar atenção no caminho, sua testa já tocava o chão.
Ouviu, ou pensou ouvir, alguém lhe dizer "vem, levanta, eu te ajudo", sentiu, ou pensou sentir, uma mão em seu ombro lhe dando apoio à mão que não oferecera apoio à queda, viu, ou pensou que viu, uma pessoa alta e magra vestida de preto lhe ajudando a limpar a poeira da estrada de terra em sua roupa, acenou, ou pensou que acenou, virou as costas e continuou sua caminhada.
Sentiu um certo incômodo em sua perna direita, agora mancava e saltava pela terra batida sujando ainda mais a calça do uniforme de trabalho. Já imaginava o que dizer ao chefe, o que fazer para lavar essa sujeira toda, o que fazer com as marcas que o chão lhe deixou impressas, o que pensar, por que chorar, por quem chorar, por chorar o quê, por que estava chorando, por que havia virado as costas àquela pessoa que lhe ajudou, por que estava pensando tanto em seu cachorro de novo...