Violeiros da Saudade - Prólogo
Mais alto que o topo da minha cabeça, viajando pros longínquos campos da mente insana e tão confortável, o menino corre pelo caminho de terra batida, buscando alcançar a borboleta que brinca com o vento. Apesar da lição de sua avó, a borboleta não pousa em seu ombro como profetizado e, por isso, corre se afastando da segurança do lar, da proteção do telhado de barro, ignora a nuvem negra que se aproxima.
Encontra um rio, se aventura a atravessar a correnteza. Peixes dourados saltam, dançam, tremem e se amontoam, confundindo-se com os poucos raios de sol que conseguem atravessar os galhos das árvores que escondiam aquele paraíso. Um rio que se afasta do calor do chão de terra batida, um rio que corre ansioso por se fazer mar, um rio que abre caminho, que leva consigo pequenas folhas e galhos que fogem de casa, o garoto nem lembra mais o caminho de volta.
Nem quer lembrar, agora quer ser mar, agora quer se aventurar, quer encontrar o horizonte, se pergunta qual seria a distância até lá. O horizonte que se afasta ao passo que se aproxima, horizonte imerso em poesia, em fantasia, em magia, paixão.
De admiração, se apaixona pela lua que começa a surgir na próxima curva do riacho, nada até lá pra abraçá-la e pula no abismo que os separa, cai no vácuo do espaço, voa entre as estrelas no seu mundo de sonhos, rodopia, vive sua festa de viver, rir de gargalhar até a barriga doer e descansa num meteoro em direção às nebulosas, que já não são mais suas tardes vazias e escuras.
Sente uma ou outra lágrima pedir pra escapar de seus olhos no meio de um sorriso daqueles sem razão, sem nexo, sem objetivo. Assiste sua lágrima rodando como numa planície, pulando um carnaval que não conhecia, que não existia, seu próprio carnaval, carnaval de seu peito, coração acelerado.
Pobre garoto, tão feliz, sonha e se recusa a acordar, faz do seu sonho verdade e abre os braços ao que vem de boa vontade ao seu encontro. Num piscar de olhos está na beira do mar numa tarde quente, a brisa faz carinho em suas costas e o empurra em direção às águas mornas do mar.
Nem percebeu e já cresceu, agora vive sua infância num cochilo tão doce que sua paz contagia até as gotas da chuva que lhe fogem da face para não despertar seu sono na rede, na estrada de terra batida, debaixo do telhado de barro...