Peão
Peão
Madrugada fria, ainda noite escura, névoa branca cobrindo todo o pasto, os primeiros pássaros começam seu canto, ao longe um chororó com seu pio ritmado anuncia seu romance em voga, o sabiá vem mais tarde, assim que o sol raiar, vejo o vulto de meu pai andando pela casa aprontando-se para mais um dia de labuta, calça grossa, por cima a chaparreira pra proteger dos galhos e espinhos, chapéu de palha, luva de couro e a manta para amenizar o frio, pega o bule e derrama o café na caneca de barro, um pedaço de carne de sol que seca pendurada em cima no fogão, café da manhã de peão, ovo caipira frito na banha de porco e pão caseiro... pega a palha, corta, ajeita o fumo cortado a pouco com o canivete de cabo de osso, enrola passa a língua e acende no braseiro...
Caminha pelo pasto com a sela nos ombros, acaricia o Relâmpago, nosso cavalo, pequeno e valente, recebe meu pai com relinchos de alegria, os dois parecem apenas um, meu pai faz coisas com o Relâmpago que nenhum cavaleiro faz, ele parece um cachorro de tão obediente, meu pai ensinou-o a buscar o cabresto e mesmo quando não há trabalho a fazer o Relâmpago aparece com o cabresto na boca como que pedindo para ser montado, e quando montado os dois demonstram uma alegria ímpar. Enquanto prepara o Relâmpago entoa uma ave Maria e um Pai Nosso, pede a proteção para lidar com a gado selvagem que irá transportar de Fronteira até Bebedouro, viagem longa com uma travessia de rio onde as histórias viram músicas, meu pai sempre dizia do “boi de piranha” onde se jogava um boi mais velho e de menos valor no rio pras piranhas comerem enquanto passava com a boiada, o caminho não tinha estradas e muitas vezes era apenas o pasto e a luz das estrelas a guiar aqueles homens de almas errantes que sintonizavam com a natureza sua própria existência. No calar na noite ficavam acordados em turnos em volta da fogueira, a comida era pesada, preparada pelo cozinheiro da comitiva que seguia sempre cinco quilômetros a frente a fim de deixar tudo pronto quando a boiada chegasse, tinha arroz carreteiro, feijão de corda, carne de sol, linguiça seca e toucinho defumado, comia-se, dava um gole na cachaça e descansava pro novo dia.
Antes de sair meu pai veio até mim e rústico como sempre foi, apenas acaricia meus cabelos e diz que enquanto estiver fora eu sou o homem da casa, recomenda cuidado com as criações, em especial com a Margarida nossa vaca que está prenha, monta no relâmpago e vai sumindo em meio a neblina, corro pra abrir a porteira e peço num grito alto.
_ Toca !!!
Meu pai pega o berrante e num repique que só ele sabia fazer toca a melodia dos boiadeiros, sumindo pela estrada de terra, levando sonhos, lembranças e saudades...