Encontro simultâneo com Deus!

Agradeço sobremaneira à jovem Andresa, que reside em LINS/SP, por haver me contado uma passagem religiosa, o que me permitiu adaptar e conceber esse conto. Espero que Meus Amigos que me dão a honra de ler o que por aqui posto, gostem de minha concepção.

Hermógenes aposentou-se cedo.

Com razoável aposentadoria, filhos já devidamente encaminhados na vida e esposa levando vida fútil, com ‘quase moradia’ em salões de beleza e clubes, sentia uma enorme solidão!

No inicio até que reclamava da situação, no entanto com o passar dos anos acomodou-se e supria suas necessidades com longas caminhadas, comparecimentos a missas e algumas celebrações religiosas e comemorativas em geral, eventos esportivos e na assistência às aulas do novo curso superior que resolvera enfrentar.

Em suas caminhadas diárias, comumente levava consigo um desjejum, haja vista sair bem cedo e durante o exercício sentir necessidade de nutrientes.

Especificamente em certo dia do mês no qual comumente comparecia à missa em comemoração ao dia de um Santo Padroeiro que havia elegido como seu anjo da guarda, saiu de sua casa bem cedo como sempre para a habitual caminhada, sentindo um exultamento e uma paz incomuns.

Após alguns minutos de caminhada, ao passar por uma Praça normalmente habitada por crianças que, por motivos vários e que não será motivo de uma análise mais profunda por aqui, optaram por viver na rua, notou que por lá se encontrava um único e solitário mirrado garotinho. Como um lampejo, algo tocou seu coração e um impulso fez com que se desviasse de seu trajeto previamente traçado, dirigindo-se diretamente para o local onde se encontrava o menor.

Sua aproximação fez com que a criança esboçasse um tênue e sob sua avaliação, sofrido sorriso, gesto que Hermógenes devolveu com a mesma intensidade, arguindo:

--- Bom dia, meu jovem!

O jovenzinho, sem demonstrar qualquer constrangimento, devolveu:

--- Dia senhor! Muito bom vê-lo por aqui...

Hermógenes, num ímpeto emendou:

--- Vou tomar o meu café da manhã e não queria fazer isso sozinho.

Terei muito prazer se me acompanhar...

O mirrado garotinho, com os olhos marejados, conforme constatou a sagaz observação feita por Hermógenes, resfolegou e respondeu:

--- Puxa, senhor! Aceito sim e vou ficar muito agradecido...

Sem maiores delongas, Hermógenes lançou mão do farto desjejum que havia especialmente preparado naquela manhã, dizendo:

--- Sinta-se à vontade. Coma aquilo que quiser... Veja que eu trouxe

as frutas maça, banana e também alguns biscoitos, suco e

sanduiche...

O menino, vorazmente, dando conotação que estava já de há muito sem alimentar-se, lançou mão do sanduiche indagando:

--- Será que posso?

Hermógenes sorriu-lhe, enfatizando:

--- Claro! Coma devagar que ainda temos as frutas e até um pequeno

pedaço de bolo...

De imediato o garoto abocanhou o completo sanduiche que Hermógenes havia preparado, fazendo com que ele desviasse seu olhar tentando ocultar as teimosas lágrimas que, sem explicação, teimavam em descer por suas faces.

Com a voracidade que havia iniciado a ‘comilança’, o pequerrucho prosseguiu degustando as guloseimas, sendo que Hermógenes permaneceu o tempo todo apenas portando a maça em suas mãos!

Não demandou muito tempo para que nada mais houvesse de tudo o que Hermógenes havia trazido para seu desjejum, com exceção do suco e da maça que permanecia intacta em suas mãos.

Hermógenes, procurando disfarçar, enquanto enxugava os molhados olhos com o dorso de sua mão direita, ofereceu:

--- Que tal, tomar esse suco para ajudar em sua digestão?

O garotinho, agora com maior seriedade na expressão, lamuriou:

--- Desculpe, senhor! Fiquei empolgado e com a fome que estava

acabei comendo tudo o que o senhor trouxe... Só sobrou o suco...

Hermógenes sorriu, dizendo:

--- Não há a menor importância! Aliás, por uma incrível coincidência

hoje eu não estava realmente com nenhum apetite. Inclusive essa

maça que peguei nem cheguei tocar... Você não quer para você?

O garoto, ainda aparentando algum constrangimento, respondeu:

--- Só se for para levar para minha irmãzinha que está lá em casa sem

nada para comer...

Surpreso, Hermógenes indagou:

--- Quer dizer que você não mora na rua?

O garotinho respondeu:

--- Não senhor! Sai cedo de casa e vim parar aqui, pedindo para que

me arrumassem algo para comer e se eu também poderia levar

alguma coisa para minha irmãzinha poder comer lá em casa...

Ninguém nem me olhou,..., só o senhor!

Nesse momento, Hermógenes não pode mais esconder as lágrimas que rolaram abundantes por suas faces... De imediato foi questionado pelo atento garotinho:

--- O senhor está sentindo alguma coisa? Está chorando?

Hermógenes literalmente ‘engoliu em seco’ e respondeu, tentando esconder...

--- Não! Creio que estou caminhando para uma conjuntivite... É bom

nem ficar muito próximo de você, pode pegar...

Mais uma vez foi surpreendido pela fala do menino:

--- Poxa! Como está sendo bom conversar com o senhor, de tê

encontrado com o senhor aqui... Nunca, na rua por onde ando

muito, alguém se preocupou tanto comigo...

--- E eu... Estou muito feliz por tê-lo encontrado também... Estava

muito necessitado de falar desinteressadamente com alguém... Se

não se importar, quero lhe dar esse dinheiro para que compre

alguma coisa antes de ir para casa... Talvez leite, pão,...

--- Não acredito! Nem precisei pedir nada para o senhor... Comi seu

lanche, tou levando sanduíche para minha irmãzinha e ainda ganho

dinheiro do senhor...

--- Permite que eu lhe dê um abraço?

--- Eu ia pedir isso pro senhor mas fiquei com em dúvida se podia...

Não foram necessárias mais palavras... O garoto levantou-se e abraçou ternamente Hermógenes que mantinha nebulosa sua visão em virtude das abundantes lágrimas vertidas.

Hermógenes permaneceu em pé, estático, parado por mais algum tempo observando aquele franzino ser enquanto se afastava. Já há uma certa distância, o jovem voltou-se praticamente gritando:

--- Puxa, senhor! Eu nem lhe disse o meu nome e nem perguntei o seu.

Eu me chamo Emanuel... E o senhor?

Como se desperto de um verdadeiro torpor que o havia assolado, Hermógenes sorrindo respondeu:

--- Ok, Emanuel! Meu nome é Hermógenes e espero vê-lo outras vezes

por aqui...

O garoto sorriu, acenou com a mirrada mãozinha e ‘seguiu para seu destino’...

Hermógenes permaneceu por mais algum tempo até não enxergar mais o garoto e resolveu dar fim à sua peregrinação diária dirigindo-se diretamente para sua residência. Senti-se muito feliz, com uma alegria e vivacidade que há muito não sentia.

Dispensou o elevador, ‘encarando’ os degraus dos seis andares que morava sem pestanejar.

Logo que entrou, deparou-se com a esposa, que o cumprimentou impessoalmente:

--- Oi! Voltou cedo hoje... Está acabando o gás? Viu algum ‘passarinho

verde’? Está com ‘ar’ de intensa felicidade! Ou será que viu alguma

mocinha que o encantou?

Hermógenes sorriu, deduzindo que nada havia mudado em sua vida, no âmbito familiar. Porém, estava se sentindo tão radiante que, independentemente da jocosidade da indagação da companheira de tanto tempo, relevou e respondeu!

--- Melhor do que isso! Hoje estive com Deus!

No outro lado da cidade, depois de caminhar por um bom tempo, interrompido que foi por uma entrada em um mercadinho que havia no caminho onde, sob os olhares desconfiados dos funcionários, adquiriu alguns pãezinhos, algumas gramas de mortadela e um litro de leite, o franzino garoto chegou a um humilde bairro, esgueirou-se entre alguns barracos lá existentes até chegar à porta de um pequeno cubículo onde adentrou.

Deparou-se com sofrida jovem senhora que embalava no colo um pequeno ser que chorava copiosamente e, ao vê-lo exclamou:

--- Filho! Por onde andou? Estava muito preocupada... Sua irmãzinha, o

Zezinho, o Toninho e o Joãozinho, se cansaram de esperar você e

mesmo com fome pois nada comeram estão dormindo... O Luisinho

ainda não conseguiu dormir... Está chorando de fome...

Sorrindo, o menino respondeu:

--- Mamãe! Vamos acordar meus irmãozinhos...

Ergueu os braços e mostrou a sacolinha que carregava tendo em seu interior as compras que fizera.

A mãe, olhos arregalados de preocupação, indagou nervosa:

--- Filho! Como conseguiu isso? Não pegou de ninguém, não é mesmo?

Serenamente, o franzino menino aproximou-se mais da senhora, abraçou-se a ela, contemplando com seu largo abraço também o pequeno que havia interrompido o choro ao vê-lo e disse:

--- Mamãe! Hoje encontrei Deus! Ele me ajudou e pude comprar alguma

coisa para meus irmãozinho e para a senhora... Ainda sobrou

bastante dinheiro que dará para a senhora comprar comida para nós

amanhã!