A VIDA VALE R$0,20 ?

A VIDA VALE R$0,20?

Fernando Alberto Couto

São Paulo, domingo, dia 16 de junho de 2.013, Sr. Mario chega no edifício onde reside e encontra Sr. Henrique, um velho amigo. Este notando o semblante triste do Mario, não se detém e pergunta sobre o motivo da tristeza. O amigo então lhe descreve todo seu drama:

- Na quinta feira, às 18,30 horas, Alice, minha única filha, sofreu um AVCH (Acidente Vaso Cerebral Hemorrágico) que, segundo os médicos, não parecia ser dos piores. O Resgate chegou rápido e logo estávamos na ambulância, rumo ao Hospital. Como moramos no bairro da Bela Vista, o Hospital mais próximo, que estava com vaga na UTI, fica logo após a Avenida Paulista. Talvez chegássemos lá, em menos de 15 minutos, apesar do horário, mas os protestos, pelo aumento da passagem de ônibus, tomavam a Av. Paulista, então o motorista tentou rua da Consolação...bloqueada. Av. Rebouças...bloqueada. Enfim, duas horas depois chegamos no hospital.

- E sua filha?

- Morreu 10 minutos antes, dentro da ambulância. Procuraram ocultar-me a verdade, mas descobri que se tivéssemos chegado ao hospital, no tempo normal, ela teria muitas chances de estar viva e, provavelmente, com poucas sequelas.

- Nossa! Imagino sua revolta contra os manifestantes e até contra a polícia...

- Não, eu lembro das palavras de Martin Luther King Jr e me envergonho, pois como cordeiro aceito tudo que os espertos, políticos os manifestantes fazem, em desrespeito à maioria. No meu entender, a polícia não deveria, sequer, deixar esses manifestantes saíssem à rua, prendendo os articuladores desse crime. Sim, pois alegam estar contrários ao aumento de passagens do transporte público, mas é claro que o objetivo não é esse.

- Como você pode dizer que não é ou que a polícia não devia permitir o protesto, se estamos numa democracia.

- Ora, estamos numa democracia, mas não sou tão burro assim, ou será que eles são? Afinal, esse aumento foi determinado pelo Decreto nº 53.935 de 24 de maio deste ano (2.013), foi publicado no Diário Oficial, no dia 27 de maio, para entrar em vigor no domingo seguinte, dia 02 de junho. Os protestos só começaram a ganhar as ruas no dia 10. Veja quanto tempo houve para protestarem, não nas ruas, provocando vandalismo, mas nos lugares certos, como Câmara, Secretaria dos Transportes, Prefeitura, etc. Calar-se, esperar algo consolidar-se e ser absorvido pela população, para depois reclamar não é prática da democracia, mas politicagem pura. Mas tudo isso não me importa, pois se um dia amei meu país, amei muito mais minha única filha.

- Mario, posso ajudá-lo em alguma coisa?

- Sim, proteja sua família e fique alerta com toda e qualquer notícia manipulada, pois é difícil saber o quanto somos enganados, pelos espertos que usufruem das riquezas do país. Obrigado pela solidariedade e bom domingo!

Henrique voltou, para sua residência, pensativo, triste e preocupado, pois seu filho Valdir, bancário, com apenas 20 anos de idade, não voltava, desde a tal famigerada quinta feira. Mas ao abrir a porta do apartamento, viu o jovem deitado no sofá e foi logo questionando:

- Valdir, Onde você andou todo esse tempo?

- Descansando no apê de um companheiro, desde sexta feira, pois fomos detidos pela polícia, durante os protestos de quinta. Não se preocupe pai, pois não fui nem indiciado, como também não pratiquei nenhum vandalismo. Ocorre que bloqueamos a Avenida Consolação e, de repente surgiu uma ambulância com sirene ligada, achando que nós seríamos trouxas de abrir passagem. Eu fui o primeiro a colocar-me à sua frente dizendo que não éramos bobos! Uma mulher, talvez enfermeira ou assistente, colocou metade do corpo pra fora de uma janela, gritando que estavam socorrendo uma mulher com AVC e cada minuto poderia custar a vida daquela paciente. Mas não caí naquela conversa e o motorista tentou forçar passagem. Foi quando dei uma porrada que machucou minha mão, mas amassou a lataria da ambulância e o motorista teve que recuar, talvez procurar outro caminho. Na confusão fui detido, com mais 4 amigos, porém, sem provas, nos liberaram, já de madrugada. É isso aí Sr. Henrique, orgulhe-se de ter um filho esperto!

O senhor Henrique, num tom irônico, respondeu:

- Bravo, meu filho, mesmo se dizendo um cara apaixonado, não perde a virilidade, não é?

- Sim, e agora vou tomar um banho, pois tinha marcado um passeio no Shopping, para esta tarde, com minha musa Alice, filha do Sr. Mario, aquele seu velho amigo.

- Ótimo filho, aposto que você vai ter um dia inesquecível!

SP – 16/06/13

Fernando Alberto Couto
Enviado por Fernando Alberto Couto em 16/06/2013
Reeditado em 16/08/2013
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