Pequenas Misérias, Grandes Negócios.

Logo após o tilintar de algumas moedas na gasta caneca esmaltada o pedinte erguia seu fundo à vista, e espalmava a mão para reter um momento o doador:

-Por favor, poderia me ajudar à tornar minha profissão mais eficiente?

-Claro!Mas a pressa me constrange!

-Meu formulário é simples, o redigi junto à um esmolante o qual fora estatístico... Ele conhece as “manhas”!

-Então estão em uma parceria?

-Pensamos em formar uma cooperativa de miseráveis!- As unhas negras já haviam agarrado papel, e um toco de lápis.

-É óbvio que o fim de tudo é uma planilha em meu Mac, mas em expediente é bom manter o profissionalismo!

-Muito justo!-Respondeu o encabulado.

-Respeitarei sua privacidade, e pularemos nome, endereço, CPF e outros dados pessoais!

-Por favor!

-Comecemos:

-Visita sempre estas cercanias?

-Trabalho logo adiante, num escritório de contabilidade.

-Faz o percurso à pé, se utiliza do transporte público ou dispõe de veículo?

-Possuo carro, mas meu cardiologista me recomendou caminhadas leves!

-Filhos?

-Dois... Moram com a mãe, mas há possibilidades de não serem realmente meus!

-Complicado!

-Sim!Cada vez que pago pensão penso se estou sendo enganado!

-Seu tempo... Lembra-se?- O estrapeado apelou para a urgência para escapar dos lamentos!

-Claro!Claro!...Acho que preciso de um analista!-Desculpou-se com seu entrevistador.

-Posso te indicar um com doutorado!Encaminho-lhe ao seu container logo que encerrarmos a lista!

-Obrigado!

-Voltando às questões então:

-Quais destes sentimentos lhe vieram à mente quando me viu estender a caneca?

1-Asco, 2-Pena, 3-Indignação? Justifique sua resposta.

-Acho que as três! Seu cheiro me nauseou um pouco, mas me experimentei em sua situação, ao tempo que “nos” censurei por fazermos tão pouco e tratarmos - lhes com indiferença!

-Vocês até que fazem o suficiente, o problema hoje em dia é que o mercado foi saturado!Já não está fácil viver dignamente!

-Obrigado por me aliviar de minhas culpas!

-Disponha!

-Mas, Roberto...

-Este não é meu nome!

-É só um nome padrão, pra tornar a experiência mais pessoal!

-Paulo!

-Como queira!Paulo também soa bem!Então, Paulo... Quanto estaria disposto à ofertar pela pena alheia?Com Que freqüência, e qual o maior valor já desembolsou para ajudar à um desprevenido?

-Geralmente me desfaço das moedas, pois elas pesam no bolso, e tilintam irritantemente enquanto caminho; mas quando há só notas, meu padrão é dois, cinco e sete; geralmente pulverizados em três ou quatro doações entre meus vencimentos!

-Parabéns!Você é um cidadão que contribui acima da média!

-Obrigado!Já tive vontades de seguir uma carreira filantrópica!

-Algo independente, ou tem em vista alguma ONG?

-Gosto da força do corporativismo!

-E isso dá uma boa grana!Conheço um morador de rua muito bem sucedido, e que o pode prestar consultoria!

-Me anota então esse outro endereço!

-Claro!...Retomando a entrevista: Quanto acharia digno para um salário de um mendicante?E, por favor, leve em considerações os fatores de insalubridade!

-Hum... Creio que uns 900 reais seriam justos!

-Hum... -Anotou com um sorriso disfarçado.

-Finalizando eu repetiria a frase que me utilizei como abordagem, agora em forma de pergunta!

-O que eu faria para lhe tornar a profissão mais eficiente?

-Exato!

-Acho que olheiras de preocupação lhe cairiam bem, uma melhor localização, a aquisição de um ou dois cães, e talvez o cultivo de uma gangrena ou qualquer ferimento purulento lhe confeririam melhores rendimentos!

-Está tudo anotado!Muito obrigado por sua atenção, Roberto!

-Paulo.

-Sim... Paulo!E tome lá os cartões de meus indicados!Espero que sejam bem úteis!

-Não foi nada!Tome aqui meu cartão!Certamente logo você necessitará de um contador!

Anderson Dias Cardoso.