EU SOU O AÇAÍ PAI-D'ÉGUA
EU SOU O AÇAÍ PAI-D'ÉGUA
Noutro dia estava a degustar uma cuia de açaí daqueles pra ninguém botar defeito, acompanhava a iguaria paraense uma porção de farinha de tapioca vinda lá de Americano, município distante um pouco mais que meia hora de carro da capital paraense. Vale salientar que a distancia aqui pra essas bandas do Brasil é medida pelo tempo que se cobre. Tirava o gosto da bebida regional, com postas de dourada ( peixe regional) vinda da região da Vigia, fritas no óleo de patauá [O patauá (Oenocarpus bataua ou Jessênia bataua) é uma palmeira originária da Amazônia, que têm um fruto comestível rico em óleo de alta qualidade]. Enquanto saboreava; comecei a divagar e imaginar a cara dos gringos degustando essa comida genuinamente paraoara. Mas de repente parei para pensar sobre os efeitos colaterais que poderiam advir. Não no sentido referente ao processo digestivo, porém no sentido do contexto histórico político ambiental atualmente vivido aqui na Amazônia.
De repente imaginei essa palmeira conversando com uma seringueira em plena floresta. A rainha das palmeiras estava toda faceira falando sobre a sua vida, dizia ela que ha muitas luas atrás, o povo nativo dessas paragens narrava de geração para geração sobre a sua origem, através da “Lenda do Açaí”.
Séculos mais tarde; aqui chegou o homem branco, desenhando a sua figura e lhe chamou de Euterpe oleracea, depois veio descobrir que a palavra era de origem latina; uma língua estranha, que nem se fala mais, era uma língua morta, porém muito usada no meio cientifico intelectual, onde assim ficou conhecida. Aí os seres humanos começaram a desvendar os segredos, que até então somente a mãe natureza conhecia. Identificaram sua família, gênero, espécie e outras coisas malucas inventadas pelo homem. Os nativos amazônidas, porém continuavam lhe chamando pelo carinhoso nome de AÇAÍ. Já os vizinhos maranhenses passaram a chamar Jussara.
Oferecia seus frutos aos animais da floresta. Os homens descobriram que além dos frutos, que são a matéria prima do famoso vinho, eles poderiam utilizar as suas palhas e os seus troncos nas construções das casas. Os cachos depois de debulhados passaram a ser usado como peça artesanal, enfeitando os ambientes festivos, posteriormente descobriram a utilidade culinária do seu palmito que passou a fazer parte na composição da dieta alimentar humana.
Por se tratar de um produto com excelente valor econômico no mercado internacional, o homem por sua ambição desmedida levou quase que a sua extinção. Deixando os nativos sem a sua alimentação básica do pirão com açaí, notadamente os de baixa renda. A sua devastação fez subir o preço da rasa (unidade de medida na comercialização do fruto do açaí), entretanto passou a frequentar as academias esportivas como complemento alimentar energético, os lugares granfinos, hotéis e sorveterias da moda, tornando quase proibitivo seu consumo pelas classes menos favorecida.
Porém nesse ínterim apareceram as organizações amigas que fizeram movimentos de proteção à rainha das palmeiras do Pará. Surgiram leis protegendo o seu habitat, proibindo o corte para a retirada do palmito, fizeram estudos para um manejo sustentável. Foi cantada em prosa e verso por poetas e menestréis, em suma ficou tão importante que apareceu até um estrangeiro doido registrando o seu nome nativo como se fosse de sua propriedade. Égua mana! Vê se te manca! Eu sou o AÇAÍ pai-d'égua, bem paraense, bem brasileiro, até que me provem ao contrário.