TAMBÉM SOU POETA!
Lá na velhinha eira daquele monte alentejano, fazia-se a debulha da seara colhida no tórrido mês de Julho.
Ti Antônio, um homem de 80 anos, lá ia em cima do trilho, levando no colo o seu neto de dez anitos.
Dava uma, duas, três voltas, e o raio da mula, pouco se estava para incomodar.
Nisto, já aborrecido, o Ti Antônio disse pró neto:
_ Zezito, vamos lá parar um pouco e beber água, enquanto a “besta” não quer comer a palha.
O miúdo, assim espantado, sem saber o que o avô queria dizer com aquelas palavras, lá acatou a ordem.
Sentaram-se os dois em cima de um molho de trigo, e o velhote começou a contar ao seu neto, que hoje tudo estava diferente, não fosse a burra até nem querer esforçar-se para debulhar a pequena sementeira.
Enquanto tragavam um naco de pão e carne, e tomavam um gole de água fresca, o Ti Antônio puxou de um papel e foi lendo o que nele estava escrito:
O que de mim há-de ser
Sem a burra a trabalhar
Já não terei de comer
Só me resta descansar.
_ Oh avô!- o que é isso?- indagava a criança.
Com a paciência que qualquer um dedica aos pequenos, o avô lá foi explicando:
_ Sabes, Zé, isto são versos, mais propriamente um mote.
_ E o que é um mote avô?
Ti António lá relatou que um mote é um conjunto de quatro versos que depois iria ser desenvolvido num conjunto de quatro décimas.
Continuando sem entender quase nada, Zezito voltou a questionar:
_ Avô, e o que são décimas?
Mais uma vez, o velhote explicou ao rapazinho, que décimas são um conjunto de dez versos, em que o último tem que ser composto pelo primeiro verso do mote e o segundo conjunto pelo segundo verso do mesmo mote, e assim sucessivamente.
Avô, e já que tens aí esse mote que disseste, tens o resto também aí escrito?- perguntava o Zé.
De novo, o Ti António, puxou pelo papel e lá foi soletrando:
Já estou velho e acabado
Vai-me pesando a idade
Lá se foi a mocidade
Sinto-me mais extasiado.
Estou por Deus abençoado
Por ter mulher para amar
Ter ainda o que manjar
E uma cama pra dormir
Vendo o meu neto a sorrir
Só me resta descansar.
Este é a última décima Zé, como vês, acaba com o último verso do mote.
- Que engraçado avô. Lá na escola, a professora falou em poesia, mas nunca nos disse nada acerca de décimas:- disse Zezinho.
E o avô voltou á carga:_ Pois jovem, é que hoje em dia já nem a poesia é igual ao antigamente. Nasceu uma nova geração de poetas. Estes versos que o avô te leu, fazem parte de uma época, onde nos cafés se juntavam grupos de amigos e depois os iam dizendo à desgarrada, ou seja um dizia, e a outra pessoa, logo lhe respondia em verso também. A esses senhores, chamava-se poetas populares, porque mesmo não tendo estudado, não conhecendo uma letra, tinham a inteligência metida na cabeça.
O rapaz, estava estupefacto com as histórias do avô e de repente, levantou-se e disse:_ Sabes avô, eu também quero ser poeta. Mas um poeta, igual a esse que o avô falou.
O velhote esboçou um sorriso por entre os lábios, e virando-se pró miúdo, disse:_ Oh meu netinho, fico feliz por ouvir isso, é de veras muito bom, saber que não se vai deixar morrer a poesia popular. Mas para isso, tens que estudar também, mas diz lá ao avô, se és capaz de fazer um verso?
Puxando de um lápis que levava na sacola e de uma folha de caderno, zé lá começou a magicar e passada meia hora chamou o avô que tinha voltado á eira a ver se a magana da burra já se atrevia a andar, e leu coma sua voz doce de menino, a quadra que tinha feito:
Meu avô, tu és amado
Eu gosto muito de ti
Tanto me tens ensinado
Desde o dia que nasci.
_Bravo, bravo!- exclamou o velhote.- Demoraste mas saíste-te muito bem, e olha que para começo não está nada mal. Se continuares assim, irás decerto ser um grande poeta, aliás já és um poeta.
Zé depois de ouvir estas palavras da boca de seu avô, parecia estar louco, numa correria infernal á volta da eira, saltando e gritando:
_ Eh Eh! Viva! Já sou um poeta, não vou deixar que a poesia entre em esquecimento, bravo, bravo! Também sou poeta!