Conselho de Mãe
Com tanta gente no mundo, logo eu fui confundido com um mauricinho. E eu que nem tenho pinta de rico.
Se bem que, se eu fosse o tal play boy que esse cara tá querendo, ele teria que ser muito menos mané pra tirar algo de mim.
- Já disse, cara, meu pai não é empresário. Sumiu no mundo assim que minha mãe engravidou. E antes disso ele era um bar-man. Só se ele ganhou na loteria e eu não tô sabendo. E minha mãe só tem uma banca de jornal.
- Cala a boca, pirralho. Acha que pode ser mais esperto que o papai aqui?
Na verdade, tenho certeza. Mas nem falo nada que é pra não deprimi-lo.
A voz do magrelo cheio de espinhas que tá me sequestrando é irritante, tá dando nos nervos. Acho que se ele abrir a boca de novo vou pedir pra me matar de uma vez.
Ele tá desesperado. Tô até com dó dele. Já deve ter dado tanta mancada com o chefão que deve tá rezando pro meu pai ganhar na loteria agora mesmo.
O cara tá suando. Certeza que ele já sacou que eu não sou o mauricinho.
É melhor tentar quebrar o gelo. Vai que o cara passa mal no volante?
-Primeiro sequestro, irmão?
Sim, eu sou péssimo em quebrar gelo. Acho que tô fazendo ele perder a paciência.
- Não me chama de irmão, filho de rico metido a gângster.
- Tu ainda não deu o braço a torcer que eu não sou o filho de rico que você tá procurando, né não, irmão?
Falei "irmão" com tanto gosto que o cara soltou um palavrão. Minha mãe teria dado na cara dele com o jornal.
Tá ficando divertido. Agora ele tá suando como um porco. Pera, porco?
- Você é palmeirense, irmão?
Peguei pesado. Ele juntou o pé no freio. Bem que minha velha sempre me manda botar o cinto, mesmo no banco de trás. Quase que minha cara fica clada no vidro.
- Já chega! Eu não sequestro mais você! Que cara chato! Por que diabos você não grita como uma menininha, ou chora pedindo pela mamãe, ou pelo menos exige a presença do seu advogado, como qualquer cara normal faria?
- Primeiro porque eu não sou uma menininha, segundo porque minha mãe me daria um cascudo por estar sem cinto, terceiro porque eu não tenho advogado.
Ele tá me olhando de um jeito estranho. Como é feio!
- Tu já pensou em se inscrever pro concurso de feiura?
Eu não sabia que existiam tantos palavrões quantos ele sabe. Acho até que ele inventou alguns. Minha mãe deve tá tendo um infarto neste exato momento.
- Para, cara, assim tu mata minha velha.
- Moleque pentelho do... Vamos pra delegacia agora mesmo! Vou me entregar. Bem que minha mãe dizia que o crime não compensa.
- Ih, cara, delegacia não! Se eu me envolver com os tiras minha mãe me mata!
- Para de ser burro, sou eu quem tá numa enrascada, não reclama.
Ele me tirou do carro e tá me arrastando pra delegacia. O jornal vai estalar quando eu chegar em casa.
O policial pançudo e bigodudo deve tá chateado. Ele deve estar pedindo a todos os santos que a gente vá embora logo, ou que pelo menos tenhamos bons motivos para fazer seu café esfriar.
- O que é?
Acho que esse polícia tem preguiça até de falar.
- Sequestrei o garoto. Vim me entregar.
O tira tá encarando a caneta que está muito longe pra ele fazer o B.O.
- Tá machucado, garoto?
- Tô não, senhor.
- Então por que você, magricela, não leva o garoto de volta pra casa, e todos ficamos numa boa?
- O quê?! - O magricela está indignado.
- Se preocupa não, irmão, eu volto a pé. Até mais seu polícia.
Coloco as mãos nos bolsos e vou saindo. Acho que o magricela tá com vontade de chorar.
Mas eu vou fazer o quê? Minha mãe sempre diz pra não voltar pra casa em má companhia...