A ESCRAVINHA PRIMEIRA PARTE

A escravinha contava uns onze ou doze anos.

Trabalhava dentro da “Casa-Grande” juntamente com as outras escravas adultas. Lavava, passava, limpava, varria.

Quase não lhe sobrava um tempinho pra brincar com a sua bruxinha de pano, feita às escondidas. Assim que podia, entretinha-se com o seu brinquedo. Se fosse apanhada à toa, era logo repreendida e tinha que voltar ao trabalho. Com os olhos baixos e a alma triste.

Um dia, tendo que acompanhar uma escrava adulta na limpeza do quarto da filha da Sinhá, ela ficou deslumbrada. Ah! Quantas bonecas! Pareciam de louça! (eram de porcelana). Tinham até cabelos! E cada vestido mais bonito que o outro! Teve medo de tocar em alguma e quebrar. Se isso acontecesse, o castigo seria certo e imediato. Contentou-se em olhar apenas. E pensou como teria sido feliz a menina, hoje moça, que brincou com aquelas bonitezas todas. Estavam ali tão perto e tão longe!

Mas Cabadil (era esse o nome pelo qual a chamavam) tinha imaginação. E com a sua bruxinha ou com espigas de milho , pedrinhas e pedaços de pau, ela inventava palácios e princesas, cavalos e soldados, como nas estórias contadas por sua tia Zefa, quando ela ainda estava na senzala.

O pai, a menina não conheceu e a mãe morrera quando ela nasceu. Por isso, a tia e o primo Minhé, que tinham sido vendidos, eram toda a família que ela conhecia.

Depois disso, ela nem sabia mais por onde andavam eles. Desejava, de todo coração , cheia de tristeza e mágoa, que aquela tia tivesse encontrado uma boa Sinhá. E o primo, que estivesse com um bom Sinhô.

Algum dia – pensava - eu hei de sair daqui e encontrar uma “Casa- Grande” diferente desta, com uma Sinhá e uma Sinhazinha bem boas pra mim.

A menina ouvia das outras escravas que uns homens estudados vinham lutando para que todos os escravos tivessem uma vida diferente e melhor do que aquela. Na verdade, pelejavam em favor da libertação de tanto sofrimento.

Para os senhores de escravos e os feitores, era como se o negro não sentisse qualquer dor. E no entanto, além dos castigos físicos, eles eram também flagelados pela saudade de sua África. Era o banzo.

Como a Sinhá não podia capturar as divagações e os sonhos, mesmo sob cocorotes, pontapés e talvez até por isso mesmo, a escravinha se permitia sonhar. E nisso, ela se comprazia.

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Esther Lessa
Enviado por Esther Lessa em 06/06/2013
Reeditado em 07/06/2013
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