SONHEI QUE EU ERA O HOMEM QUE JOGAVA NO JOGO DO BICHO
“agora eu era o herói
e o meu cavalo só falava
inglês...”
Sonhei que eu era o homem que sonhava que jogava no jogo do bicho. E ganhava. E no sonho tudo o que havia no mundo dos vivos dos mortos do passado do futuro de névoa de queda de céu, enfim tudo era sonhado por mim. Primeiro me vinham os bichos, desde menino: patos cachorros pacas tatus (cotias não). Mas ainda não os dominava eu: seu significado, minha intuição. No sonho. Isto é: no sonho eu sonhava que desde menino me vinham palpites. Visões. Sei que mamãe quase sempre dizia: olha, menino, conversa fiada matou carambola! E isto numa exclamatória com o tom de missal, uma filosofia quase, uma frase secreta. Então ensinou-me a nada dizer quando de um sonho saltassem galos, dentes, porcos, pentes, veados e outros bichos. Dizia. Isto no sonho. Mas também gaviões, piratas, urubus, putas e pavores povoavam outros sonhos desde menino. E sonhando, sonhei que neste dia tudo ia contra mim: havia algo assim como uma guilhotina e uma horda de gente e eu, que há minutos estivera à toa, era catapultado à protagonista desta cena – assim como naqueles episódios d`O túnel do tempo. Sim:, pois que havia algo como uma guilhotina e sob sua lâmina o que pendia agora, digo, o que pendia era nada mais que a minha pobre cabeça. Pobre porque parecia totalmente plebeu no contexto – não fossem a guilhotina e aqueles parvos trajes. Haveria mesmo uma platéia curiosa, claro: mulheres, velhos, mendigos, que antes ordenavam-me para confessar crimes, coisas, algo sobre o qual naquele instante de sonho eu não tinha noção de ser lá o que fosse. Mas em seguida, sem muito esforço, tudo começaria a me parecer familiar, era como se num daqueles games que requerem, p. ex., vaga idéia de fatos assim como da história. Sim: Só então dei-me conta de que talvez estivesse numa era assim, de antigamente. Claro. Por isso mesmo que, alheio aos fatos, tornei-me réu confesso e, evidentemente, fiz esforço por acordar o quanto antes, para que não se expusesse em instantes minha cabeça à premio. No sonho. Maria Antonieta da àustria comia brioches bem ali à minha frente, indiferente à sentença, à ralé e ao carrasco – o mesmo que logo logo prepararia ambas as nossas cabeças para em seguida decepá-las história à fora. Ela, que minutos antes, soberana, interrogava-me com olhos pidões, refestelada em almofadas reais, a esfregar no colo leitoso um volumoso gato. Era a senha. Depois tudo, de pronto, ficaria meio difuso, confuso mesmo já ao cair da madrugada. Embora ainda quede intacta a memória de brioches e vinhos, como se tivera uma noite de rei. No sonho. Deu 14. De manha.