A insônia

A insônia

A noite parecia uma tortura para Roberto. Costuma deitar sempre às 23:00h, mas, sempre, se levantava às 23:30h. Não conseguia pregar o olho. Roberto tentava de tudo, contava carneirinhos, procurava não pensar em nada, mas o sono nunca vinha. Passava as noites debruçado em livros e assistindo aos programas noturnos de TV.

Roberto resolve procurar ajuda. Vai a um médico conhecido e narra o seu problema:

- Dr° Carlos, eu passo as minhas noites em claro, não consigo dormir.

- Acho que você pode estar estressado! Afirmou Carlos.

- E o que o senhor me receita?

Roberto sai do hospital com a certeza que sua angústia estaria resolvida. Agora, a sua ansiedade é para chegar a noite e poder, enfim, ter uma noite tranquila de sono. Toma seu copo com leite e com o sonífero que Dr° Carlos passara, veste seu pijama e vai deitar com um sorriso que tudo estaria resolvido. Deitou placidamente e... O sono, novamente, não veio. Roberto tomou outro comprimido e nada adiantou.

Viu novamente o dia nascer e, mais uma vez, passou a noite entre livros e televisão. Seu problema com o sono parecia não ter solução, então, resolveu fazer de toda essa agonia ponto positivo.

Nitidamente, Roberto estava, cada dia, mais cansado e rabugento; o descanso lhe faltava e as horas de sono que não tinha estavam lhe deixando mal humorado. Em seu trabalho rendia cada vez menos, seu dia era uma eterna reclamação, mas a noite... Sozinho em seu quarto e sem a companhia que ele tanto queria, o sono; começou a produzir. Estava lendo de tudo, de gibis a filosofia, de revistas pornôs a literatura, lia desbragadamente. E quando não estava com livros, assistia aos programas televisivos e, não foi à toa, que nessa enxurrada de programas religiosos, ele até embarcou em um desses e tentou realizar um milagre para o seu problema. O pastor pregava do outro lado da TV, e ele fingia acreditar do lado de fora, mas o sono nem com reza braba lhe chegou.

Roberto parecia despertar o sol e acordar a humanidade, pois nem cochilos tirava durante a noite. Até quando ele iria suportar tudo isso, nem ele mesmo sabia. Quantos dias, um ser humano pode aguentar sem pregar o olho? Roberto já tirava sarro de toda essa situação:

- Acho que nunca vou precisar dormir. Lacerda!

- Você precisa procurar uma ajuda, isso não é normal! Afirmou Lacerda.

- Veja como estou! Ando lendo muito mais, estou atualizadíssimo e, desse jeito, minha cultura aumentou muito.

- Mas todo ser humano precisa de sono.

- Pra quê?

- Pra descansar e começar tudo de novo.

- Besteira!

Roberto estava, na realidade, se transformando e nem percebia. Seu comportamento estava diferente, mas para ele tudo estava normal. As pessoas lhe davam bom dia no trabalho e ele respondia ferozmente; bom dia por quê?

Os dias de Roberto eram intermináveis e, assim, sua vida seguia nessa roda-viva. Já não queria mais procurar solução para o seu problema, mas transformá-lo em combustível para seus desejos. Frequentava bibliotecas, diurnamente, em busca de mais livros, e à noite devorava-os. Mas, nem os livros conseguiam fazer companhia, e então quis aprender a tocar um instrumento. Bateria foi o que escolheu. Escolheu esse instrumento num desejo de não deixar o mundo também dormir e, assim, ter companhia em sua agonia extrema. Trabalhava durante o dia e à noite usava as baquetas na bateria. Ninguém reclamava do barulho, pois a casa de Roberto não ficava próxima a ninguém; o vizinho mais perto ficava a 100 m.

Os dias passavam e para Roberto parecia que a vida não andava, tudo estava parado, estagnado. Pensou até em namorar, mas seu mau humor saltava aos olhos, e amor sem humor não existe. Solitário noite adentro, olhava a vida não passar e sua rotina se repetir mais do que o normal. Com o passar dos dias, ou melhor, das noites, aprendeu a tocar a bateria e dela fez a sua companhia. Durante algum tempo, ela lhe fez companhia pela noite, mas tudo tem seu tempo de duração, só sua insônia não.

Roberto, visivelmente abatido, agora já não mais andava com seu mau humor; passou a ficar introspectivo e calado. Em seu trabalho, às vezes, parecia um fantasma, nada mais lhe chamara a atenção, nem mesmo as coxas torneadas de Catarina. Roberto parecia desligar o dia e acender a noite e, na noite, na solidão de sua casa é que ele encontrava a sua vida. Muito tempo já se passou e Roberto não pregava o olho, nem mesmo quando assistia à televisão, cochilava. Aquela situação estava lhe levando ao desespero total e, sendo assim, veio-lhe a ideia. Roberto, em meio aos livros, ao instrumento musical (bateria), companheiros por muito tempo, tomou uma decisão. Resolveu, de uma maneira grosseira, o seu problema de insônia. No auge da angústia, do desespero, achou a sua cura. Com um revólver, que já tinha há muito tempo, puxou o gatilho, no qual, o projétil atravessou seu crânio. Roberto caiu em cima da sua cama. Em cima do criado mudo um bilhete: Enfim, o sono dos justos!

Mário Paternostro