As torres
Setembro de 2001. Movimentação anormal de turistas nos aeroportos do país. Início de estação de turismo, os aeroportos do país estão tomados de estrangeiros. Muitos italianos, ingleses, franceses, argentinos, paraguaios, além de turistas vindos do Oriente. Alguns árabes pertencentes a facções belicosas muçulmanas infiltram-se entre os turistas. Passam despercebidos, pois não há animosidades entre as nações.
Um dos árabes, Ali Jumbuli, tem em seu currículo a atuação como piloto comercial em companhias de aviação do Oriente Médio. Dois de seus companheiros também têm experiência semelhante. Os três terão missão importante nos próximos dias, enquanto que os outros ficarão apenas como integrantes de apoio à distância.
Em sua bagagem, o árabe traz relatos minuciosos do ataque dos militares ao Palácio presidencial chileno, na deposição de Salvador Allende, em 1973. Ordens sigilosas do general Augusto Pinochet estão reproduzidas e são lidas constantemente. Jumbuli tem um objetivo – não declarado – de utilizar planos semelhantes em um ataque terrorista perpetrado por sua organização paramilitar. Alvo principal: as torres gêmeas.
Relembra, nos relatórios o que acontecera àquele país e seu governo. É jovem o suficiente para não ter vivido nem acompanhado o golpe militar, mas sente como se tivesse participado de toda a trama, como se estivesse no comando de um daqueles caças fratricidas.
O ataque aéreo às torres gêmeas faz parte de um plano de desestabilização do governo local, para posterior tomada do poder, com implantação de regime misto militar-religioso.
Jumbuli reúne-se com seus companheiros em um hotel de duas estrelas, sem despertar suspeitas. Distribui tarefas.
Mohamed Fallbert irá embarcar em avião comercial às 6 horas com destino à capital federal. Ben Kistt sairá do Nordeste, também em avião comercial, com o mesmo destino. E ele, Jumbuli, embarcará na própria capital federal, para assumir o controle da aeronave no ar, em momentos próximos, quando os três aviões estiverem sobre o mesmo espaço aéreo, sob o mesmo controle de vôo.
Faltam dez dias para a execução do plano, e os integrantes do grupo de dispersam, indo cada um com destino ao aeroporto de onde tomarão seus aviões, no dia e hora marcados para a ação final.
Como tinham dez dias entre o plano e a execução, resolveram, para mais naturalidade e menor possibilidade de descoberta do ato, tirar férias, como se turistas fossem. Iriam aos locais de onde iniciariam os ataques, e ficariam disfarçados, em passeio, como se turistas fossem.
Ali é o único que não assumirá, desde já, sua posição. Prefere passar os dias de espera em outro local, distante.
Interessou-se por conhecer a Natureza e embarcou para a amazônia. Após passeios rápidos, pelo Rio Amazonas, vendo os costumes do local e conhecendo o parque industrial que supre a Zona Franca, foi descansar em uma choupana na Ilha de Marajó, e dali só sairia na véspera da execução do seu trabalho.
Mohamed Fallbert viajou ao Rio de janeiro e, lá chegando, interessou-se por outro tipo de beleza natural. Em terra fluminense, visitou estádios de futebol e foi tomar banho de mar. Sua religião repudiava aqueles costumes, mas fazia parte do plano agir naquele momento como turista, e assumiu o sacrifício de ver as atividades “pecaminosas” das mulheres em seu banho de mar.
Bem Kistt, também passando-se por turista, foi ao Nordeste brasileiro. Mais especificamente, foi ao Recife. Também fez sacrifícios de contrariar sua religião. Hospedou-se em hotel à beira-mar, vendo toda aquela “pouca-vergonha” de homens e mulheres se abraçando e conversando animadamente, em trajes de quase nudez.
E assim fizeram seus sacrifícios.
E assim passaram seus últimos dias.
O plano previa ataque às torres gêmeas, utilizando os próprios aviões em que estariam viajando, e que seriam tomados em pleno vôo.
Seriam, portanto, ataques suicidas. Seus pecados seriam perdoados, conforme sua crença.
Na véspera do dia estabelecido, foram aos respectivos aeroportos e adquiriram passagem aérea com destino à capital federal. Ali Jumbuli comprou, para o mesmo dia, passagem de ida e retorno, que aconteceria no dia seguinte.
Estava já a bordo da aeronave, quando consultou, por celular, escondido e camuflado, os outros dois companheiros.
Tudo bem, tudo como planejado. Mas... falhou a ligação, na hora em que estavam em conferência telefônica. Uma zona de sombra de radiofreqüência desfez a conversa.
Diante disso, mantiveram o plano sem modificações.
...
Manhã de 11 de setembro de 2001. Ali Jumbuli, que chegara a Brasília na noite anterior, retorna ao aeroporto e embarca em novo avião, com destino a Manaus.
Após decolagem, e no início da rota de cruzeiro, levanta-se de sua poltrona e grita, no meio do corredor:
— Eu sou mensageiro de Alá e estou tomando este avião.
Gritou, em sotaque árabe:
— Todos fiquem nos seus lugares.
Rebuliço total.
— Eu disse: todos em seus lugares!
O comissário, Sérgio Xavier, sai de fininho e vai ao fundo da aeronave.
Na parte traseira tinha deixado seu celular – que não poderia utilizar no avião, em condições normais – e liga para o comandante Nivaldo.
O comandante, sabedor da ineficácia da proibição de utilização em vôo, sempre mantém seu celular ligado.
— Nivaldo, seqüestro no avião. Dê sinal de emergência.
— Que é isso, Sérgio?
— Seqüestro!! Um muçulmano louco. Não sei o que ele quer.
— Estou sem contato com o Sindacta.
— Que é isso, meu?!
— Exatamente. Estamos sem contato. Vôo cego.
— Nada feito?
— Nada. Vamos ver o que ele quer.
Ali Jumbuli dirige-se à cabine de comando e ordena que seja aberta. Diante do comandante, diz que altere o vôo de volta à capital federal.
Aliviado, e ao mesmo tempo intrigado, Nivaldo descumpre o plano de vôo e acata a ordem do seqüestrador.
— Melhor não poderia ser.
— Que foi que disse?
— Nada, não. Estou apenas orando.
— Você não se curvou em direção a Meca. Como está orando?
— Minha religião não me obriga a tal posição.
— Então, fique calado e continue. Ou melhor: retorne.
...
— Todos ao chão e ninguém se mova – gritou Mohamed Fallbert. — Isso é um seqüestro.
— Quequeisso, mermão? — retrucou, cheio de gíria, Miguel Paes, passageiro que estava na poltrona do corredor, na primeira fila à direita.
— Isso é um seqüestro! Estou no comando da aeronave.
Disse isso e rumou à cabine de comando, abrindo caminho entre as comissárias que, assustadas, ficaram petrificadas no corredor, com os carrinhos de assistência a lhes bloquear o caminho.
— Saiam da frente! Levem-me ao comandante!
Pegado de surpresa, o comandante Biondi não esboçou reação.
— Desligue o rádio, e vamos para a capital federal.
— Só isso?
— Não fale. Cumpra as ordens.
— Sim, senhor.
...
O vôo seguia do Recife para Brasília, quando ben Kistt quis assumir, no mesmo formato dos companheiros nas outras aeronaves.
— Isto é um seqüestr...
Não terminou de falar. Levou uma bordoada na cabeça, desferida por um bêbado que vinha incomodando meio mundo com suas falações inconvenientes.
— Vai seqüestrar longe de mim!
Kistt foi dominado por Vicente Diego. A bebida venceu o muçulmano.
...
Nas proximidades do céu de Brasília, três aviões comerciais se dirigem ao aeroporto internacional. Dois deles mudam ligeiramente de rota.
— Vamos destruir as torres gêmeas – gritou Ali Jumbuli.
— Novamente?
— Como novamente?
— Elas acabam de ser atingidas por dois aviões.
— Fique calado e continuemos. As torres gêmeas estão a nossa frente.
Diante da sonora gargalhada do comandante, pergunta:
— Por que este riso? É deboche?
— Não. As torres gêmeas que vocês queriam destruir ficam em Nova Iorque, Estados Unidos. E foram atingidas há pouco por duas aeronaves. Vocês erraram o alvo. Estas aqui são as torres do Congresso Nacional do Brasil.
Mudando a conversa e reassumindo o controle, Nivaldo manda aviso à torre de controle e à outra aeronave, a essa altura também com seu seqüestrador abobalhado diante de tamanho erro de alvo e já dominado.
E as torres gêmeas brasileiras ficam incólumes.
Por enquanto.
...
Junho de 2006. Manchetes em todos os jornais.
Congresso Nacional é invadido por meia centena de desordeiros.
As torres gêmeas receberam ataque interno, por pessoal da terra.
Tremenda destruição.