O ódio

O ódio

O amor e o ódio caminham lado a lado, separados apenas por uma linha tênue. De um simples olhar pode nascer a paixão, e vice-versa, mas, a convivência também mata o que nasce com idílios. O que são virtudes passam a ser defeitos, e qualquer pequeno gesto se transforma em um monstro. E, assim, o amor vai se esvaindo, e dele a semente do ódio começa a germinar.

Roberto, há muito tempo, vivia com Carolina, mas o romance estava desgastado. A rotina diária e as brigas cotidianas fizeram arrefecer aquilo que começou em chamas e agora nem um vendaval consegue acender a brasa da paixão. As desavenças constantes e a vida a dois estava insuportável, o convívio massacrava a paz de ambos. Os dois, que juraram amor eterno, estavam se alimentando, apenas, de ódio, o amor parecia ter sido perdido em alguns anos atrás. Nem nas lembranças restava esse sentimento.

Carolina, apesar de tudo, ainda tinha vontade de rejuntar os cacos e seguir de mãos dadas pela vida com Roberto, mas ele era apenas patada e grosserias. O amor, mesmo, só existia por Rodrigo, único filho do casal e orgulho dos pais. Rodrigo é o filho que qualquer pai tem motivos para ser feliz. Bom aluno, pratica esporte, ético, educado e além de tudo, exemplo de ser humano. Roberto e Carolina jamais discutiram na frente do filho. Rodrigo, apesar de ter 14 anos, já entende muito bem a situação dos pais e procura, de alguma maneira, amenizá-la. Sempre com sorriso e com uma palavra amiga, ele vai querendo consertar o que já não tem mais jeito.

- Pai, novamente tirei um nove na prova de matemática. Dá próxima vou tirar dez, errei uma besteirinha. Falou Rodrigo

- Você, meu filho, é um gênio! Você é a única coisa boa que restou. Respondeu Roberto.

- Meu filhinho, mais uma vez é o melhor aluno? Alegre, gritou Carolina.

- Mais uma vez sim, mãe! Errei só uma questão. Falou Rodrigo.

Depois desse momento família, Rodrigo vai para o seu quarto, enquanto. na sala. Roberto e Carolina ensaiam uma discussão. Qualquer olhar desencontrado era motivo para um embate. O casal vivia numa linha tênue, entre a moral e o respeito. Atacavam-se amiúde, e fazia da convivência um inferno.

- Você é um grosso, não tem nenhum respeito por mim. Vive pagando prostituta para conseguir prazer. Revoltada, falou Carolina.

- Melhor do que me deitar com uma vadia como você. Pensa que não sei do seu casinho com seu chefe? Você não é nenhuma santinha! Refutou Roberto.

- Você é um canalha, seu filho da puta.

- Não xinga minha mãe, sua piranha. Roberto nessa hora foi pra cima de Carolina e ergueu a mão, foi quando Rodrigo, de repente, apareceu e gritou:

- Não, pai, não bate nela!

- Eu não vou bater em sua mãe, Rô!

- Seu pai, apenas, está nervoso. Vá pro quarto estudar, vai meu amor!

O Casal procurava preservar, a qualquer custo, o filho, nem que para isso engolissem a seco a vontade de explodir um com o outro. Mas, eles sabiam que era necessário deixar Rodrigo fora de tudo isso, afinal, um filho como esse não merece ver cenas como essa que ele presenciou.

A paz é selada, momentaneamente, mas o casal, no regaço do seu quarto, não esconde as emoções e, dessa vez, partem para as agressões físicas.

- O meu desejo é que você morra, Carolina!

- E você acha que eu quero o que de você?

- Eu não sei por que não te mato.

- Mata, se você for homem!

- Não me provoque, sua puta.

- Puta é a sua mãe, seu viado.

Roberto então partiu para cima de Carolina e lhe deu uma bofetada. Carolina, no mesmo instante, jogou o copo com água em Roberto, que lhe acertou na cabeça. Aquela zoada toda fez com que Rodrigo batesse na porta do casal, mas ambos não podiam abrir, pois estavam ensanguentados. Falaram sem abrir a porta que a televisão é que estava alta. Rodrigo insistiu e perguntou que barulhos eram aqueles. A desculpa foi que Roberto havia tropeçado e derrubado o abajur do quarto. Depois desse interrogatório de Rodrigo, os dois o mandam ir para o quarto dormir, pois já estava tarde. No quarto, agora calados, os inimigos vão limpar a sujeira e os restos da agressão. O sangue da violência escorre na face dos dois.

Rodrigo sabe da situação dos pais, mas o que ele pode fazer de melhor é mostrar para os dois que sempre se sai melhor no que se propõe a fazer. Dessa maneira, ele sente que o casal comunga da mesma ideia e, por instantes, reina a paz. Mas a vida do casal estava em cacos, porém ambos tinham seu escape, melhor dizendo, viviam em traição. Carolina mantinha um caso com o segurança da empresa para quem trabalhava e Roberto vivia entre prostitutas e casinhos eventuais. Chegavam ao ponto de passar o final de semana fora, com desculpa de que viajariam a trabalho. Você mente e eu finjo que acredito; esse era o lema escrito nas entrelinhas da vida do casal.

As agressões físicas aumentavam, cada dia mais, e o respeito que já não existia, de uma vez por todas, foi abolido. Carolina não aguentava mais apanhar e Roberto estava ferido n’alma com as traições dela. Um barril de pólvora pronto para explodir.

Os anos passam e nada modifica o comportamento do casal, apenas, Rodrigo faz algo pela família. As vésperas de saber o resultado do vestibular, Rodrigo ouve a discussão de seus pais pela primeira vez. Escondido atrás da porta, coisa que nunca fez, pois achava uma invasão de privacidade, ele se viu obrigado a ouvir. Amadureceu e sua omissão durante esses anos não ajudou em nada a melhorar a situação.

- Por que você não vai embora com seu amante, sua puta?

- Eu quero ir e vou levar o Rodrigo comigo.

- Então você admite que tem uma amante, piranha?

- E daí, se eu tiver?

- Você não tem nenhum respeito por seu filho?

- Não meta nosso filho nessa conversa. E você que sai com piranhas e ainda paga. E você ainda quer falar em respeito?

- Eu queria que você morresse!

- E eu, que você desaparecesse da vida.

Rodrigo volta para o seu quarto e chora. Ele não imaginava que a situação estava nesse nível.

Os dias passam e Rodrigo vai em busca do resultado do vestibular; ele acha que, se passar para medicina, talvez ,as coisas se acalmem em sua casa. O sonho dos seus pais é vê-lo doutor e ele, mais do que nunca, quer dar essa notícia aos pais. Vai ansioso em busca do resultado e...

- Passei, passei, passei!!! Grita eufórico Rodrigo.

Rodrigo volta correndo para a casa, afinal, iria realizar o sonho dos pais e, quem sabe, colocar paz em sua família.

Em casa, Roberto e Carolina discutem no quarto. Os motivos são os mesmos, mas, dessa vez, a briga passa dos limites. Carolina abre a gaveta do criado mudo e puxa o revólver, ameaça matar Roberto. Esse, por sua vez, diz que ela não é mulher para isso e parte pra cima dela. Os dois se agarram e Roberto tentar tirar o revólver de Carolina, e nesse tira não tira, Rodrigo entra de supetão e eufórico no quarto do casal. Quando, de repente, um tiro é deflagrado.

- Meu Deus! Gritou desesperado Roberto.

- Não, não! Bradou Carolina.

O tiro acertou bem no coração de Rodrigo, que caiu já morto com o sonho nas mãos dos pais.

- O que fizemos? Perguntou chorando Carolina.

- O nosso ódio matou nosso filho, isso é o que fizemos!

Mário Paternostro