A compulsão
A compulsão
- Todo homem tem que plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro! Falou Roberto.
- Mas você, até hoje, não fez nenhum desses três itens que citou. Respondeu Marcos.
- Mas, ultimamente, ando com mil ideias; acho que escreverei primeiro um livro.
- Mas você nunca escreveu nem cartinha de amor.
- Mas, de uns dias pra cá, parece que estou efervescendo de ideias.
- E o filho e a árvore, esses são mais fáceis.
- Não sou ecologista e filhos, como disse o poeta, é melhor não tê-los.
- Mas como vai saber?
- Prefiro acabar a poesia no não tê-los.
Entusiasmado com a ideia de escrever um livro, Roberto volta para sua casa e logo senta em frente ao seu computador. Realmente, a inspiração parece queimar, e logo surgem as primeiras frases. Passa a noite inteira escrevendo, levantando, apenas, para ir ao banheiro e bebericar um café. O dia amanhece e ele nem nota, só quando o sol entra pela fresta de sua janela, Roberto percebe que a noite já findou. Arruma-se rapidamente e vai para o trabalho. Sua cabeça não pensa em outra coisa, apenas em terminar o romance que começou na noite passada. Encontra na volta para casa Marcos e, logo, lhe conta o feito de ter escrito, a noite toda.
- Marcos, comecei meu romance, do jeito que estou escrevendo, acho que termino antes do que eu pensava.
- Vá devagar, Roberto, tudo tem seu tempo e você também tem o seu.
- Falando em tempo, já estou perdendo de escrever. Cada minuto perdido é uma página que vai ficando em branco. As ideias, meu amigo, estão jorrando e não posso deixar que se percam. Depois a gente se fala.
Sem se despedir, Roberto sai com sofreguidão e vai direto para a frente do computador. Está obcecado. As teclas do seu computador não param e ele parece escrever, compulsivamente. Alimenta-se escrevendo e, quando precisa fazer as necessidades básicas, leva um caderninho, no qual, vai anotando seus rascunhos. A noite segue nesse ritmo desenfreado e, novamente, ele desperta o dia. Sua obsessão está tomando uma dimensão gigantesca, pois chegou ao ponto de comprar um notebook para, quando tiver um momento vago, escrever. Seu trabalho já não rendia, pois ficava, a todo momento, fugindo de suas obrigações para dar vazão à sua criatividade.
- Roberto, Roberto. Gritou Marcos.
- Fala logo, que estou com pressa! Ofegante, respondeu Roberto.
- E aí cara, você sumiu! Tem feito o quê?
- Escrevendo meu romance e agora não te conto.
- O quê?
- As ideias são tantas que, além do romance, estou escrevendo contos, poesias, crônicas.
- Mas por que você não se detém apenas no romance que você começou?
- Porque as ideias saltam da cabeça. Olha, tenho que ir, depois nos falamos.
- Espera um pouco!
Já de longe, Roberto respondeu:
- Não tenho tempo.
Roberto não sabia impor limites para a sua criatividade e estava se entregando, compulsivamente, à sua inspiração. Chegava em casa, comia besteiras e não se preocupara mais com a aparência. Estava com a barba por fazer e, sem perceber, andava, há dias, com a mesma roupa. Seus amigos perceberam a mudança, mas nada do que falavam adiantava. Roberto estava determinado em escrever e vivia apenas para isso. Sua produção parecia enorme, pois não havia tempo para o descanso. Mas vendo que a sua vida social não existia, Marcos convenceu uma antiga namorada de Roberto para convencê-lo a sair. Com muito esforço, ela obteve um sim. Marcaram num bar e, Roberto, até o último segundo, escrevia. Não percebeu que tomou banho e na pressa vestiu a mesma roupa que, há dias, estava. A barba já saia do rosto e o cabelo desalinhado lhe dava um ar de desleixado. Carolina e Marcos esperavam no bar e, enquanto Roberto não chegava, os dois conversavam:
- Roberto está mudado, não se assuste. Falou Marcos.
- Mudado como?
- Ele está doente.
- Como assim?
- Está com compulsão em escrever.
- Quer dizer que agora ele é escritor?
- Podemos dizer que sim.
De repente, Marcos falou:
- Olha ele ali, graças a Deus, eu pensei que ele não viria.
- Onde, não estou vendo.
- Aquele ali na frente. Apontado com o dedo.
- Aquele ali! Carolina falou espantada.
Roberto aproxima-se e cumprimenta os dois.
- Olha, vou avisando que não posso demorar, só vim porque Carol insistiu.
- Mas você está mudado mesmo, Roberto. Falou Carolina.
- Vamos tomar umas cervejas e jogar papo fora. Faz tempo que não saímos. Falou Marcos.
Roberto, a princípio, aceitou os desejos dos amigos sem refutar, mas, notava-se que ele estava incomodado ali.
- Você parece estar desconfortável aqui? Perguntou Carolina pra Roberto.
- Não, não, só estou pensando que tenho que escrever. Respondeu Roberto.
- E você está escrevendo sobre o quê? Quis saber Carolina.
- Sobre tudo, faço romance, poesias, contos, crônicas; tudo que me vem na cabeça.
- Roberto é perdulário de talentos. Comentou Marcos.
- Mas dá um tempo, vamos nos divertir. A propósito, gostei do novo look, dá um ar de mais sério. Elogiou Carolina.
A noite passa e Roberto não aguentou. No momento em que Carolina foi ao banheiro retocar a maquiagem e Marcos foi flertar com uma mulher; ele retirou do bolso umas folhas em branco, uma caneta e começou a rabiscar algo. Carolina chegou e viu a cena.
- Posso ver o que você tanto escreve?
- Não, você só vai ver quando estiver pronto. Irritado, respondeu Roberto.
- É uma poesia? Quis saber Carolina.
- Não falo nada.
Marcos retorna à mesa e vê que o amigo não resistiu e começou a escrever.
- Mas até aqui, Roberto? Falou Marcos.
- Não existe local, nem hora, para escrever. Respondeu Roberto.
- Deixa ele, Marcos, vamos beber enquanto ele trabalha. Falou Carolina.
Nesse momento, Roberto decidiu ir embora.
- Olha, acho que já deu pra mim. Tenho que ir.
- Fica só mais um pouquinho. Com carinho, pediu Carolina.
- É sério, tenho que terminar meus escritos.
Foi falando e saindo, enquanto Marcos comentava com Carolina.
- Estou preocupado com Roberto, isso não é normal.
- Deixa ele, vamos nos divertir.
Roberto anda a passos largos, desembestadamente, e ansioso para chegar em casa e continuar a escrever. Abre a porta ofegante e, nem bem tira a roupa direito, vai direto para o computador.
Os dias passam e Roberto parece, cada vez mais, entregue à sua obsessão. Não aparece mais ao trabalho e, raramente, sai para a rua. Passa seus dias escrevendo o que ninguém sabe e nem desconfia o quê. É quando, depois de vários dias, ele resolve sair e ir ao mercado. Visivelmente abatido, barbudo e com a mesma roupa que usava há meses atrás, ele encontra Marcos que assustado fala:
- Roberto, é você mesmo meu amigo?
- Sou eu sim, por quê?
- Cara, você está muito magro, está com a mesma roupa que te vi, há muito tempo. Para com essa besteira de escrever, você está se acabando.
- Olha Marcos, tenho que comprar umas coisas e estou sem tempo, depois nos falamos.
Roberto entrou no mercado e Marcos, apenas, viu o amigo partir novamente em busca da sua obsessão.
Meses passam e Marcos não tem mais notícias do amigo. Soube que abandonara até o trabalho e nem mesmo os vizinhos conseguem dar notícias. Marcos, preocupado, liga para Carolina e resolvem, então, os dois irem até a casa de Roberto. Chegando, batem na porta, mas não conseguem resposta alguma. Marcos, então, fala.
- Acho que devemos entrar de qualquer jeito.
- Mas será que ele saiu?
- Com certeza, não! Ele está aí.
- O que fazemos, então?
- Não sei, realmente eu não sei.
Depois de muitas dúvidas eles resolvem chamar a polícia e explicar a situação. Mas não tiveram êxito, pois os policiais falaram que não podiam invadir uma casa sem a ordem judicial. Voltaram para o ponto de partida. Marcos então toma uma decisão.
- Vamos arrombar a porta, Carol.
- Acho que essa é a melhor solução, eu agora estou preocupada.
Marcos conseguiu arrombar a porta e, então, os dois entram e logo veem Roberto estirado no chão envolto a papéis, notebook e bebidas. Marcos corre para ver o amigo e descobre que ele estava morto. Carolina chora e diz:
- Mas ele tá morto mesmo?
Marcos choroso responde:
- Morto sim! Não sei como ele morreu, talvez, de inanição. Ele já nem se alimentava direito, não dormia e parece que estava bebendo muito. Olha a quantidade de garrafas de vodca que estão vazias?
- Meu Deus, ele se entregou à escrita.
Quando, enfim, Marcos resolve ver o que tanto o amigo escrevia. Foi quando teve uma surpresa. Nos papéis, no computador e no notebook havia apenas uma frase escrita, repetidamente. Era uma vez... nada mais além.
Roberto morreu de compulsão por tentar escrever.
Mário Paternostro