A solidão

A solidão

Talvez, a solidão seja a pior coisa que alguém possa enfrentar. Muitos procuram suprir esse vazio com a companhia de amigos, outros criam cães, mas nada preenche esse buraco no coração reservado para esse sentimento. Roberto caminha, pela vida, tentando andar de mãos dadas com a felicidade, mas parece que sua estrada tem sempre uma esquina, onde os desencontros são constantes.

Sempre de cabeça baixa e com os olhos virados para o chão, Roberto agoniza a sua vontade de viver. Conhecido por sua passividade e sua introspecção, ele caminha sempre no mesmo compasso, não desafina na

vida e sempre pede desculpas por incomodar com sua presença. Jamais ergue a voz e nunca olha torto para ninguém. Sujeito bom, todos falam. Mas Roberto não quer ser bom, quer ser notado, mas como? Roupas sempre discretas, voz controlada e gestos medidos, fazem com que ele passe despercebido por todos e pela vida.

A solidão é um vazio cheio de fantasmas, que assusta e verga o corpo com sua força. Roberto vive com a sua companhia constante e, em sua casa, a única voz que se ouve é a da TV, que passou a ser sua companheira cotidiana.

Roberto não quer mais viver essa situação e, de algum jeito, tem que mudar esse quadro. Talvez, se entregando ao carnaval que a vida oferece, ou às festas que o final de semana propõe, ele possa conhecer alguém que ocupe o vazio da existência. Resolve dar chance para a esperança e, num dado dia, aventura-se pela noite. Entra num bar e senta-se distante de tudo, afinal, é querer demais que alguém que vive enclausurado em sua casa, comporte-se de outra forma.

Discretamente, acomoda-se e chama o garçom. Sua voz quase não sai, a timidez impera. Pede uma cerveja e algo para beliscar; ele sabe que faz muito tempo que não bebe, e de barriga vazia o álcool pode “pegar”. O garçom trás a cerveja, e ele próprio se serve. Olha para os lados e percebe que é o único, naquele ambiente, que está bebendo sozinho. As mesas, em volta, transbordam de alegria, enquanto a dele paira o silêncio. Ele observa toda aquela felicidade e pensa por que só ele não encontra a sua.

Roberto passa a frequentar esse bar, semanalmente, e mantém acesa a esperança de que, numa noite dessas, apareça a tão almejada companhia que preencha o vazio da sua vida. A vida passa sem graça e, normalmente, para Roberto, até os fins de semana, onde ele tenta dar chance ao acaso, também, estão mornos. Quando já se esvaía a última gota de sonho, Roberto nota que sua vida, naquele momento, poderia mudar. De repente chega ao bar uma mulher que, só com sua beleza, preenche todo o local. Seu coração bate como nunca havia batido e seus olhos brilham e fitam aquele monumento. Roberto sente um calor e o coração cheio de vontades e desejos, coisa que, há muito tempo, não sentia. Mas como se aproximar daquela mulher? Ele se pergunta. Ele bem sabe que perdeu o jeito com as mulheres, era praticamente um misantropo introvertido e tímido. Mas, nada que algumas doses de

conhaque não solucionassem esse problema. Bebe com a sede da certeza de que aquela mulher era o que faltava para a sua vida. Depois de muitas doses e muitos ensaios, ele vai até a sua pretendente. Até os medrosos têm momentos de coragem; quando acuados, algo desperta a fúria e, assim, Roberto foi.

Ela foi receptiva e não esboçou, em momento algum, que ele a desagradava. Conversaram e beberam durante horas e Roberto estava, enfim, sentindo o fogo da paixão. Carolina, esse era o nome da alegria que Roberto conhecera. A noite termina e Roberto sai com a esperança de reencontrá-la novamente. A vida já não estava mais sem graça e repetitiva.

Roberto agora era outro homem, sorria e cantarolava, vivia suspirando pela vida. Os colegas de trabalho estranharam no começo, mas depois viram que aquele sisudo e triste já não mais existia. A vida passava e Roberto e Carolina se encontram cada vez mais, e trocam confidencias e juras de felicidade, mas ainda há segredos para serem descobertos. Numa noite em que se bebeu pouco e se confidenciou mais, Carolina fala:

- Amor, você precisa saber mais de mim.

- Saber o quê, querida?

- Saber do meu passado, o que eu vivi, tudo de mim e eu preciso também te conhecer.

- Eu te amo, e parece que te conheço, há muito tempo.

- Nós já não somos crianças, e temos um passado e...

- O meu você já sabe.

- Mas o meu você nem sequer conhece a primeira página.

- E o que você esconde?

- Escondo nada! Eu pensei que o nosso caso terminasse em algumas noites e, por isso, não senti necessidade de me expor pra você.

- Expor como?

- Contar sobre mim.

- E o que você tem para contar?

- Que sou recém-separada, que tenho dois meninos, dois cachorros e um papagaio.

- Graças a Deus que é só isso! Aliviado, Roberto suspira.

- Mas você não ouviu direito?

- Ouvi sim, e nada mudou!

Os dois, então, se beijam, demoradamente, e vão para a casa de Roberto. Fazem amor como quem quer acordar o mundo e se entregam ao prazer e ao desejo. Roberto, enfim, parece estar completo.

A vida segue seu rumo normal e Roberto sente a necessidade de tomar uma decisão. Decisão essa que irá mudar o destino de sua vida. Convida Carolina para jantar e faz a pergunta:

- Carolina, quer vir morar comigo?

Pega de surpresa, ela gaguejou e chorou.

- Meu amor, você é o homem que mais amo, e aceito sim.

Roberto preenche o vazio da sua vida, mas esquece de que Carolina não vem só, mas com uma família completa. Roberto nem pensou nisso, há muito tempo vivia só, por isso, resolveu dar uma chance para o amor, mesmo que ele viesse com companhia. Carolina se muda de mala e cuia; com crianças, cachorro, papagaio, e preenche aquele silêncio de catedral com o som de vida.

Mas o que Roberto não esperava é que o som, depois de um determinado tempo, viraria barulho. As crianças correm pela casa e fazem da sala seu playground, enquanto os cachorros latem até fazer calo nas cordas vocais de Roberto, que gritava com tudo. Carolina coloca no micro system músicas que mais parecem berros. Roberto sentia-se cada vez mais incomodado em sua casa. Procura, às vezes, a solidão do banheiro, mas com criança em casa, até ali é impossível se sentir só.

Carolina, quando não coloca música nas alturas, grita com as crianças. Os cachorros latem até para a sombra e o papagaio não para de tentar falar; era demais para Roberto. Resolveu demorar mais na rua e procurar motivos para sair, mas aí as coisas pioram; as brigas homéricas varam noite adentro. Ele já não sabe mais o que fazer e vive preso dentro de uma euforia que lhe causa revolta. Roberto, então, grita sozinho no quarto, como quem quer desabafar:

- Eu não aguento mais!

Carolina não ouviu, pois está com o som nas alturas, enquanto as crianças brigam entre si e o papagaio tenta cantar e os cachorros latem. Roberto se desespera.

Meses passam e a balbúrdia só aumenta, e a solução para esse problema parece não existir. Roberto então pensou: tenho que pôr um fim nisso

Tudo! Num gesto tresloucado e desequilibrado compra “chumbinho” (veneno de rato) e coloca na comida que comeriam logo mais. Não deixou de colocar na ração dos cachorros, nem na do papagaio. Carolina serve o jantar e... Dentro de alguns minutos o silêncio retorna para aquela casa. Roberto calou, de vez, a euforia que tanto procurou, pois fim no que nunca deveria ter começado. Assiste impassível a morte de todos e depois se recolhe à sua solidão antiga. A solidão, talvez, seja a melhor companheira para quem só a conhece.

Mário Paternostro