A traição

A traição

- Eduardo, acabei de fazer um seguro em nome da minha esposa. Se, por acaso, ela vier a morrer, o seguro me dará um milhão de reais. Comentou Roberto com seu amigo.

- Rapaz, isso é grana pra caramba. Dá pra fazer o que quiser e ainda sobra.

- Eu posso pegar qualquer mulher e não aquela que tá lá em casa. Já cansei dela, pra falar a verdade.

- E ela, pensa o que de você?

- Sei lá, Eduardo! Ela nem quer saber de mim, parece que tem outro e se tiver, ótimo.

- Você não gosta mais dela?

- O bom mesmo era se ela batesse as botas.

- Aí você ficava rico, e não esqueça aqui do seu velho amigo.

- Claro que não, porra!

Roberto acabara de fazer um seguro milionário e, premeditadamente, já planejava meios de colocar a mão naquele dinheiro que viria com gotas de sangue da traição. Eduardo era um amigo de longa data, mas sua conduta não era das melhores. Vivia de pequenos golpes e, em seu currículo, estariam duas prisões por agressão e uma por ameaçar de morte a um cobrador. Devia a todos e negava com a cara de caloteiro que Deus lhe deu. Roberto passava sempre a mão na cabeça do amigo, pois sabia muito bem dos deslizes que Eduardo cometeu, certamente, em algum momento da vida, iriam lhe servir. Roberto era astuto e perspicaz, seu olhar parecia estudar tudo em sua volta e seus gestos eram premeditados. Até o momento, nada arranhava a conduta dele, mas suas atitudes, às vezes, prenunciavam uma sombra em sua personalidade.

- Carolina, seu macho está de volta! Eufórico, gritou Roberto.

- Que macho, Roberto? Quisera fosse! Respondeu Carolina.

- Quando eu quero lhe fazer um agrado, você vem com patadas. Não sabe mais o que é carinho, é mulher?

- Você, carinhoso? Parece até piada! É pra rir, é?

- Debocha não, mulher. E olha só, vamos sair pra comer na rua.

- Por que você está bonzinho assim?

- Decidi que temos que nos dar bem, só assim vamos ser felizes.

Depois de muita conversa, Roberto e Carolina saem e vão a um restaurante popular, e lá comem, bebem, como um casal apaixonado. De repente, aparece fortuitamente Eduardo, e aproxima-se como quem nada quer.

- E aí, casal de pombinhos!

- Senta aí e janta com a gente. Convidou Roberto.

- Eu pensei que esse jantar fosse romântico, mas tem gente que não se toca mesmo. Irritada, comentou Carolina.

- Calma Carolzinha, eu só vim cumprimentar vocês. Podem ficar à vontade.

- Senta aí, porra! E come com a gente. Parece que você não está acostumado com as patadas de Carol?

- Já que você insiste, eu sento. Foi ele quem me obrigou, viu Carol?

- Gosta de uma boca livre! Comentou Carolina.

Os três jantam, mas Carolina não abre a boca, ouve as besteiras do marido e de seu amigo e não interage. A noite, que para Carolina seria romântica, acabou numa conversa de botequim. Papo vai e papo vem, Carolina pede para ir embora, e Roberto, gentilmente, atende ao pedido da esposa. Ela parece não entender tanta gentileza, mas isso lhe agrada muito. Eduardo continua no restaurante, diz ao amigo que vai à caça e que não é casado nem, tampouco, castrado.

- Como você é grosso! Falou Carolina.

- Foi só uma brincadeira. Respondeu Eduardo.

- Vamos, mulher. A noite ainda promete muita coisa. Roberto parecia estar entregue às emoções e queria continuar a noite em seu leito. Chegaram em casa e Roberto mal deixou Carolina se trocar e logo foi lhe agarrando. Carolina não entendeu, mas aceitou os carinhos e se entregou. Os dois se amaram loucamente, e Roberto parecia insaciável.

Noutro dia, Roberto se encontra com Eduardo, que logo lhe indaga:

- Você tava todo meloso, você não é assim!

- Claro que não! Mas resolvi fazer as pazes com a patroa.

Roberto ainda não confiava plenamente em Eduardo e não quis expor seus planos.

- Aí tem coisa, Roberto, me conta.

- Contar o quê, eu não posso querer viver bem com minha esposa?

- Até ontem você falava mal dela, e hoje ela é a mulher da sua vida. Já sei!!!

- Sabe o quê?

- É o seguro que você fez, não é?

- Nada disso, eu só quero paz.

- Vou fingir que acredito! Olha, mas se tiver algo por trás, pode contar comigo.

Eduardo percebeu que Roberto planejava algo, mas não sabia o quê. Enquanto isso, Roberto dava continuidade em seu teatro. Foi a uma floricultura e comprou rosas, tudo para Carolina. Chegou em casa com aquele buquê e com versos pobres decorados, ofertou para Carolina.

- Por que tudo isso, Roberto?

- Porque eu te amo!

- Mas é a primeira vez que você me traz rosas.

- É a primeira e não a última.

Carolina não entendia o porquê desse comportamento, mas não achava de todo ruim. Roberto cada vez a procurava mais e a vida do casal estava, literalmente, um mar de rosas. Roberto passou a ser um marido exemplar, e todos da vizinhança aplaudiam o novo homem nascido.

Os dias passam e Roberto continua com o seu teatro, mostrando para todos que ama Carolina e que a respeita. Mas Eduardo sabe muito bem que atrás daquele romântico existe um ator e uma causa. De tanto insistir que algo estava errado em seu comportamento, foi que Roberto resolveu abrir o jogo:

- Vou te contar porque, há muito tempo, eu estou me comportando como um marido exemplar.

- Estou doido pra saber!

- Sabe aquele seguro que eu fiz? Eu, há muito tempo, estou querendo recebê-lo.

- Mas você só recebe se Carol morrer.

- Isso mesmo!

- Mas se você está tão apaixonado, se ela morrer você vai sofrer de desgosto!

- Isso tudo é uma encenação. Só estou fingindo.

- Eu sabia! Você nunca foi bobalhão desse jeito.

- É pra todo mundo não desconfiar.

- Desconfiar do quê?

- Se algo de estranho acontecer com Carolina.

- O que, por exemplo?

- Ela vir a morrer.

- Mas ela está saudável, não está?

- Mas a pessoa só pode morrer de doença?

- O quê?

- Isso mesmo! Você é meu amigo ou não é? Eu sei que você não é nenhum santinho e que já foi preso várias vezes...

- Duas só.

- Mas foi preso! Dá pequenos golpes e tentou até matar um cara. Só não matou porque ele fugiu e você não tinha boa mira e errou os tiros.

- Mas ele também queria me matar, e então eu tinha que matá-lo primeiro.

- E por que você não deu queixa na polícia?

- Porque senão quem ficaria preso era eu!

- Eu sei que você deu um golpe nele, e ele descobriu e ficou furioso.

- Tudo bem! Você sabe de tudo isso, e o que isso tem a ver?

- Eu quero te propor um negócio.

- Que negócio?

- Você gosta de dinheiro ou não?

- Gosto, e muito! Fala logo!

- Se a Carol morrer eu recebo um milhão, certo?

- E daí?

- Você gosta ou não de dinheiro?

- Já falei que sim!

- Aí é que você entra.

- Como assim?

- Eu lhe dou 10% de um milhão se você calar a Carol.

- Em outras palavras, matar!

- Sim, isso mesmo!

- Eu nunca matei ninguém, nunca mesmo!

- Será?

- Juro!

- Mas, não quer os 10%?

- Eu quero, mas deixa eu pensar esta noite. Amanhã, eu lhe dou a resposta.

Eduardo saiu com aquele fantasma na cabeça e Roberto foi para casa, continuar o seu teatro para Carol. Jantaram e ele a amou loucamente, naquela noite; parecia que estava se despedindo da parceira. Carolina logo dormiu, enquanto Roberto sonhava acordado com seu milhão. Ela estava imóvel, parecia um preâmbulo do seu futuro escrito por Roberto. Ele a olhava com olhos de carrasco, e cada piscada parecia feri-lo, letalmente.

Noutro dia, Roberto e Eduardo se encontram e a resposta já está na boca de Eduardo.

- Sim, eu aceito a sua proposta!

- Ótimo, agora temos que planejar tudo e não podemos vacilar.

- E como vai ser?

- Vou te contar!

Roberto tem tudo planejado há muito tempo e então, enfim, vai colocar seu plano em prática. Entrega uma arma para Eduardo e lhe diz:

- Hoje à noite vou fingir sair para comprar algo no supermercado e vou ficar por um bom tempo lá, até todos me virem, e nessa hora é que você vai entrar lá em casa e, por fim naquela vadia. Vou deixar a porta aberta e, normalmente, ela fica de costas para a porta da sala assistindo àquelas novelas tolas; você então atira e rouba o que puder.

- Roubar o quê?

- O que puder, pra todos pensarem que é um assalto. Depois de umas duas horas eu volto e ligo pra polícia.

- E eu?

- Você vai para a sua casa e fica por lá. Não se preocupe que, quando eu receber o dinheiro do seguro, eu dou a sua parte. Eu não traio não.

- Eu vou sair por volta das 19h e você vai entrar lá às 19h20, combinado?

- Combinado!

O plano de Roberto parecia ter tudo pra dar certo, no horário marcado ele saiu, mas o que ele não contava foi quando entrou em sua casa. Carolina ainda estava viva, e ele então assustado perguntou:

- Tudo bem, querida?

- Tudo, amor da minha vida!

- Roberto sentiu que algo estava errado, e o que tinha acontecido para Eduardo não por fim em Carolina. Foi quando, de repente, Eduardo apareceu com a arma em punho.

- Olá Roberto. Falou Eduardo apontando a arma para ele.

- O que está acontecendo aqui? Assustado, perguntou Roberto.

- Você não queria me matar e mandou o Du fazer o serviço? Ele veio, mas o que você não sabia, idiota, é que eu e ele somos amantes, há muito tempo.

- Mas você dizia que o odiava.

-Você não andava dizendo que me amava, eu também sei mentir!

- Mas, se vocês me matarem, não vão ganhar nada!

- Eu também fiz um seguro em seu nome, idiota, e o valor é de dois milhões.

- Vocês dois me traíram!

- Eu não! Sempre fui seu amigo, mas entre você e uma mulher, eu prefiro a sua mulher e ainda mais se for rica. Falou Eduardo.

- Então quer dizer que você vai me matar? Quase clamando, falou Roberto.

Eduardo então atira, e Roberto agoniza no chão as suas últimas palavras:

- Traidoreeeeeeeeeessssss!

Eduardo deflagra outro tiro, e Roberto dá adeus ao seu milhão e à sua vida.

O pior ainda estava por vir. Eduardo abraça Carolina e ela sussurra em seu ouvido.

- Obrigado, querido!

- Faço tudo por você, minha vida!

- Inclusive me deixar sozinha e rica?

Nem bem terminou de pronunciar a última frase, Carolina cravou uma faca no coração de Eduardo, que caiu no meio da sala e, instantaneamente, morreu. Carolina provou como se deve trair.

Mário Paternostro