NÃO SUPORTANDO TANTA AUSÊNCIA
O andar monótono da pequena cidade mostrava sempre as mesmas histórias.
Homens, com mãos grossas e unhas encardidas, no carteado do boteco, esmurravam as mesas e gritavam enlouquecidos, vez por outra, como se defendessem a causa do diabo. De trucada em trucada, armavam os únicos alvoroços daquelas tardes domingueiras.
No largo da igreja, em terra solta, meninos corriam atrás da bola de meias, respiravam poeira e aspiravam ao posto de Pelé um dia, talvez... Quem poderia contradizer sonhos?
As mulheres, já desembaraçadas dos trabalhos domésticos e com os cabelos molhados, cheirando a lavanda, ousavam assomar às janelas, para espiadelas no vai-vem vagaroso da rua principal.
As moças enamoradas chegavam ansiosas ao portão social da casa, à espera do pretendente, que chegava metido na fatiota, pontual, na hora exata marcada, sem tirar nem pôr. Os cabelos, endurecidos pela brilhantina, exalavam o perfume que lembrava o paraíso àquelas jovens apaixonadas.
As garotas, nem meninas nem mulheres, em seus vestidos franzidos com florezinhas na saia, cintos do mesmo tecido, amarrados em laços para trás, exibiam-se nas calçadas, andando aos grupos, braços dados umas com as outras, em gracioso desfile dominical.
Assim andava a vida na pacata cidadezinha, embalada pelas músicas de Poly e seu conjunto chorando lamentos em notas musicais, que se espalhavam no vento, saídas de um velho e insistente alto-falante. De cima de um pau de eucalipto, a música pegava o rumo do coração de Rosinha. Adentrava-lhe a alma e fazia estrago. Enquanto as colegas passeavam e se mostravam, Rosinha procurava entender que bicho era aquele que a música mais linda do mundo enfiava em seu corpo. Então, sentia uma saudade que não sabia de quem era. Perdia-se entre sons e devaneios.
Até que chegou o circo mais bonito entre todos que já havia visto. As luzes, no alto do mastro principal, amarravam lá os seus olhos. Na entrada da frente, um letreiro enfeitado com luminárias coloridas e néon anunciando grandes atrações. Homens e mulheres chegavam e faziam um burburinho aglomerado. Rosinha embatucava diante dos atrativos, misturando em sua mente os perfumes das brilhantinas e lavandas, com o aroma de pipocas e cocadas. Tudo ali era inebriante e a tirava daquele chão. Aonde iriam parar seus sonhos? Teria coragem de jogar-se do trapézio arriscando haver ou não a cama elástica? Aceitaria o convite definitivo para os malabares da vida?
Eis que no alto–falante do circo soou a canção. A mesma que sempre lhe falou de saudades do desconhecido. Poly a chamava e, não mais suportando tanta ausência, entre aromas e devaneios, arriscando o salto, obteve o ingresso definitivo.
Rosinha virou assunto de cada portão e boteco do lugar. As mocinhas cochichavam desconfianças e, dentre os meninos que jogavam a bola de meias, um interrompeu o jogo e chorou ao ouvir Poly no alto-falante. Não sabia de onde lhe vinha tamanha tristeza.
Dalva Molina Mansano
Maio de 2013