Conto do menino

Hoje fico levantando hipóteses. Fazendo analogias, sintetizando idéias, inventando previsões. Fico assim nessas coisas próprias dos que nada fazem da vida, ou dos que são, por natureza interna, mal amados. Outro dia imaginei, por exemplo, desse jeito assim: e se não tivesse telefonado para ela... aliás, comecei mais detrás, se nem tivesse ido naquele dia encontrá-la por acaso, e se, por acaso, não viesse a conhecê-la. É claro que fico achando tudo estranho porque ela é um desses humanos que tem a característica de parecerem eternos e indispensáveis.

Porém minhas imaginações não param assim nesse vago, nessa indecisão. Conhecendo-lhe um pouco dos sonhos e ou dos vícios, sei que ela se dispersaria por aí, pelo país, pela vida. Iria viver coisas, ela é desejosa de viver coisas. Coisas que não dá para viver aqui, só lá. Aí eu fico imaginando assim... ficaria em casa lendo um livro porque quero envelhecer, ficaria sozinho me apegando às minhas teorias diabólicas e amorais. Mas não ficaria para sempre, pois também tenho um vago de inquietação por aqui por dentro. E vou imaginado desse modo...

Numa noite em que estivesse triste ligaria a tevê e estaria passando Into the Wild. Eu sei como fazer, já senti isto, decerto choro. Pego a mochila ponho três mudas de roupa dentro. Não deixo bilhete, não deixo notícia, não deixo um beijo, um adeus. Saio, é madrugada ainda, encosto a porta. Saio chorando liberdade. Vou viver aventuras e aprender coisas, sou jovem.

Na cidade não tem trem (dizem que terá), então vou andando para um lugar que não seja perto. Não estou fugindo, estou chegando, eu sei disso, eu sei. Na Mochila, a única coisa do velho jovem é um livro da Clarice que não vou tocar por meses e meses e meses. Serei capaz de amar as pessoas todas como elas são. Saio por aí pelo mundo nascendo em cada gente que sofre. Saio sem questionar, sou todo compreensão. Sentirei saudade da Cíntia e dos outros irmãos, mas vou.

Aprendo a fumar com uns moradores de rua, descubro que álcool puro não tira o frio do coração. Vou e me entorpeço de amor. Tímido feito um macaco selvagem não faço muitos amigos, mas nem de longe isso cai sobre meu corpo como fracasso, eu estou andando e experimentando coisas pelo olfato. Talvez meus amigos de rua não se lembrem de mim quando no dia seguinte não estiver mais. Saio de carona pelo Brasil, saio sem romantismo talvez querendo achar qualquer Alasca, não que seja impossível, mas isso não sei.

Vou andando e sabendo de muita coisa, mas não sei que ela se descola de uma página de Fernando Pessoa e saí andando também, sem pódio, sem mérito. Fico arrepiado ao ver como somos tão parecidos e nem desejamos a presença do outro, tampouco nos conhecemos. Sei que sim, sei que levaria anos, mas naturalmente um dia chegaria a hora. Isso é um fato que me esmaga.

Eu estou todo sentado na areia olhando uma montanha de água salgada com olhos de andarilho. Senta uma mulher ao meu lado, não sei nada sobre ela, só que a amo. Essas coisas a gente sabe. Fico olhando o vento fazer umas manobras malucas com seus cabelos.

−Sou Psiquê.

−Alex.

Ficamos olhando uma onda grande.

Welliton Oliveira
Enviado por Welliton Oliveira em 25/05/2013
Código do texto: T4309172
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