A FAMÍLIA MENDONÇA - PARTE I

Nos áureos anos do café, os Mendonças eram uma das famílias mais tradicionais da região sudeste. Embora morassem na fazenda Rio Doce, passavam longas temporadas na capital paulista a fim de aproveitar boas oportunidades de negócios, e também para conviver com a elite do país, afinal, não podiam ficar o ano todo enfurnados no interior.

A casa principal da fazenda era bem grande e confortável. Era toda branca, com janelas e portas azuis. Uma enorme varanda dava para as duas salas de estar, onde recebiam os principais fazendeiros da região e suas famílias. Havia também a sala de música, a biblioteca, o salão para festas, e demais dependências.

O dono da fazenda era o Sr. Aníbal Carneiro de Mendonça. Já nascera numa família abastada e, embora tivesse cursado Direito, gostava mesmo era de lidar com o café. Estava sempre pesquisando para tornar suas terras ainda mais produtivas. Era um homem à frente de seu tempo.

Quando moço, passara umas férias na casa de uma tia no Rio de Janeiro, e se encantara por uma jovem – Maria Cândida – que conhecera num sarau. Ela pertencia à sociedade local. Sendo assim, foi com enorme satisfação que as duas famílias se uniram por conta do casamento.

Por sorte, Aníbal e Maria Cândida se amavam, porque eles conheciam vários casais que haviam contraído matrimônio, única e exclusivamente por motivos financeiros. Uns usavam a união como forma de ascensão social, outros, como forma de manter um alto padrão de vida que havia ficado no passado.

Entretanto, havia um único detalhe, na vida dos Mendonças, que destoava do ideal de família da época – o tão esperado filho varão nunca fora concebido. Em seu lugar, vieram três meninas: Isabel, Josefa e Helena.

Desde pequena, Isabel fora mimada pelas duas famílias, por ser a primeira filha e a primeira neta. Além disso, era uma menina graciosa e inteligente. Josefa era sem sal, e Helena, sempre fora simpática, curiosa, mas extremamente rebelde para os padrões vigentes.

Os pais amavam as três embora nunca disfarçassem a predileção pela primogênita. E quanto mais o tempo passava, maior era o séquito dos admiradores de Isabel. A princípio, só os parentes a seguiam com o olhar, depois os rapazes das outras famílias juntaram-se ao grupo. Era bem verdade que ela crescera, e se tornara uma moça linda. Além disso, estava sempre elegante, tocava piano, falava francês fluentemente e dançava com perfeição. No entanto, seu defeito era seu temperamento intempestivo. Detestava ser contrariada, e queria ser sempre o centro das atenções.

Enquanto Helena não ligava para os paparicos que cercavam sua irmã mais velha, Josefa se ressentia profundamente. Desde cedo sempre ouvira comparações desfavoráveis à sua pessoa. Por mais que se esforçasse, nunca conseguira ofuscar o brilho de Isabel. Com o tempo, esta mágoa só fez aumentar, e por conta de um certo rapaz, transformou-se em raiva.

Tudo começou num verão quando somente Isabel fora convidada para passar algum tempo, com a avó materna, no Rio de Janeiro. Nas duas semanas que antecederam a sua viagem, não se falava noutra coisa naquela família. Eram as roupas novas que ela iria levar, as festas a que iria comparecer, os futuros pretendentes que iriam surgir, ... Era um tal de Isabel isso, Isabel aquilo. Josefa já não aguentava mais. Até que, finalmente, sua irmã mais velha partiu de férias.

Para Helena, a ausência de Isabel, não fazia a menor diferença em sua vida. Nestes últimos meses mal tinha tempo para fazer as refeições com sua família. Estava se dedicando à escola que, com a ajuda do pai, montara na fazenda para os filhos dos empregados. Além do mais, com a chegada dos imigrantes italianos, resolveu ensinar português para os filhos dos colonos. À medida que conhecia aquela gente, mais se encantava com o povo simples, alegre e festivo – bem diferente daquelas pessoas pedantes do seu meio social. Ao mesmo tempo, conhecera Giane – um rapaz jovem e forte, que pretendia fazer algum dinheiro antes de tentar a vida na capital. Queria trabalhar na indústria. Na verdade, sonhava um dia em ter sua própria fábrica. Para isto, tinha pressa em aprender o nosso idioma corretamente – não queria ser conhecido como o “carcamano burro”. Helena, então, se propôs a ajudá-lo. Os dois passaram a se ver todos os dias e, sempre que possível, davam longos passeios.

Uma semana após a partida de Isabel, Aníbal chegou da capital acompanhado de um moço. Filho também de um barão do café, o rapaz tinha boas ideias sobre armazenagem e exportação dos grãos. Aníbal o convidara com o intuito de aprender as mais novas técnicas europeias, para poder implantar em sua propriedade.

Enquanto este jovem – Otávio – esteve na fazenda, Josefa procurava estar sempre por perto. Ele, muito educado, conversava com ela e, a pobrezinha, interpretou isto como uma possibilidade de engatar um romance entre os dois.

Passados uns dias, ele disse que precisava regressar às terras do pai, mas prometeu voltar na Páscoa. E pela primeira vez na vida, Josefa encheu-se de esperanças, porém o que ela não contava era com a chegada de Isabel.

Quando Otávio retornou, e foi apresentado à Isabel, seu semblante se modificou na hora. Parecia que ela o hipnotizara. Ele passou a segui-la como um cachorrinho, e procurava fazer-lhe todas as vontades. Incrédula, Josefa assistiu àquela transformação. Ela estava certa de que ele voltara com a intenção de pedí-la em casamento, no domingo de Páscoa, mas isto na verdade nunca passara pela cabeça dele. Mesmo antes de conhecer Isabel, Otávio nunca cogitara se unir à Josefa. Ela era apenas uma companhia agradável.

Diante dos mimos de Otávio, e das risadas de Isabel, Josefa mal conseguia se controlar até que, na Sexta-feira da Paixão, quando todos já haviam se recolhido, ela irrompeu no quarto de sua irmã para tirar satisfação.

- Como ousa flertar com o Otávio assim deste jeito? – disse Josefa.

- Qual o problema? – respondeu Isabel. Que eu saiba, ele não está namorando ninguém aqui.

- Mas ele ia me pedir em casamento!

- Ele disse isso? – perguntou Isabel, curiosa. Sua irmã só fez balançar a cabeça negativamente.

- Viu? Você fantasiou tudo. - disse Isabel. Você realmente acreditou que ele estava apaixonado por você, tolinha? Além do mais, depois de me conhecer, você acha que ainda teria alguma chance? Você já se olhou no espelho, sua desengonçada?

Josefa não se conteve e partiu para cima da irmã. As duas se engalfinharam e passaram a rolar pelo chão. Josefa agarrou os longos cabelos de Isabel e os puxou com toda a força. A impressão que dava era que queria ver a irmã careca. Ao ouvir os gritos de Isabel, seus pais correram para lá e conseguiram, a muito custo, separar as duas.

Aníbal mandou Josefa para o seu quarto, e disse que ela ficaria lá até que ele a chamasse. Ao entrar, Josefa jogou-se em sua cama e chorou copiosamente por um bom tempo. Depois, enxugou suas lágrimas e disse entredentes:

- Isabel, você não sabe do que sou capaz. Você me paga!

Beth Rangel
Enviado por Beth Rangel em 21/05/2013
Reeditado em 18/04/2014
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