Dois anos de espera

Este é o primeiro conto que publico no Recanto, de minha própria autoria, retirado de meu blog pessoal, o Apenas Palavras (http://palavrasdevalquiria.blogspot.com.br/2013/04/dois-anos-de-espera.html)

-- Você não pode fazer isso comigo!

-- Por favor, não torne as coisas mais difíceis, a minha decisão já está tomada.

-- Você ainda vai se arrepender.

Era uma promessa, mas o rapaz não sabia disso. Ele tinha uma vaga idéia do quanto era importante para ela e se aproveitava disso todos os dias. Ela, mesmo sabendo que estava machucando a si mesma, dedicou sua juventude e pureza àquele moço de olhos azuis e sorriso branco. Agora ela estava ali, abandonada, traída e arrependida. Arrependimento era um sentimento ruim, ela sentia na pele e queria que ele também sentisse. Lembrou-se de como era pura e ingênua quando o conheceu, lembrou-se das promessas nas quais acreditou e de todas as fantasias que criou. Olhou-se no espelho e viu no que se transformara: Um objeto... usado, descartado e agora sem nenhum valor.

Ligou o computador buscando refúgio da vida real na vida virtual, onde poderia ser o que quisesse, inclusive uma moça pura novamente, que não conhecia a dor e o sofrimento de um abandono. Poderia ser uma isca fácil para pegar algum destruidor de sonhos desavisado pelas ondas da net.

Princesa_18 era perfeita. Bonita, inteligente, carismática e virgem. Os homens ficavam loucos com ela, queriam conhecê-la, ser o primeiro, acabar com todo aquele pudor que irradiava da garota. Em um mês acumulou admiradores de todo o Brasil, recebeu propostas de casamento, promessas de família com um casal de filhos, exatamente como ela sonhara um dia com ele. Começou a estudar cada um dos pretendentes, interligando todos eles, na esperança de entender os pensamentos de um homem, e chegou a pelo menos uma conclusão: Todos querem uma moça perfeitinha. Para quê? Isso ela ainda não descobrira, embora já tivesse tirado suas conclusões, diante da experiência que tivera com ele.

Passaram-se dois meses do fim. Ela, assediada pela internet, vê uma visita inesperada: Ele. Pseudônimo: Principe_22. Só poderia ser ele, seria muita coincidência um fake com a foto dele procurar justamente por ela. Começaram a conversar. O papo inicial não era muito diferente dos outros admiradores.

"Principe_22 diz: Eu já sofri muito nessa vida, estou procurando um amor verdadeiro, mas hoje em dia está muito difícil encontrar uma moça assim como você.

Princesa_18 diz: Assim como eu? E como eu sou?

Principe_22 diz: Mulher pra casar. E é isso que estou procurando".

Ela analisava cada vírgula da conversa, dava corda, se insinuava para ouvir as pérolas dele. E seu coração acelerava a cada declaração de amor. Acelerava de ódio, e de expectativa: Seria aquela a grande chance que estava esperando? Quanto mais seu coração se endurecia, mais meiga e apaixonada a Princesa_18 parecia estar. Uma vez o Principe_22 fez uma revelação que ela jamais esqueceria: “Eu já amei muito uma menina, mas a troquei por outra em um momento de fraqueza, agora é tarde, ela já não me ama mais. Ela seguiu a vida dela e vou seguir a minha, mas aprendi a lição, nunca mais cometo o mesmo erro”.

Passou-se seis meses daquele primeiro contato virtual. Oito meses do fim. E o coração dela já se tornara uma pedra de gelo. Passava por ele na rua e era como se não conhecesse, trocara o número de seu telefone e o bloqueara em todas as redes sociais. Ele achava estranho, se sentia incomodado, mas seu coração agora estava acelerado pela princesa dos seus sonhos. Certa noite o Principe_22 declarou as seguintes palavras: “Eu espero o tempo que for preciso para você me amar”. E, por incrível que pareça, estava sendo sincero.

Quando fizeram um ano de contato virtual, o Principe_22 começou a pressioná-la para se conhecerem. Até então, não era difícil evitar o encontro, afinal, a Princesa_18 morava em uma cidadezinha do interior de um estado muito distante do Príncipe. Mas depois de um ano, o rapaz estava completamente apaixonado, disposto a fazer qualquer coisa por sua princesa, inclusive atravessar o país para encontrá-la.

Princesa_18 diz: Ainda não estou certa sobre isso.

Principe_22 diz: Mas por quê? Você não me ama?

Princesa_18 diz: Eu tenho medo.

Principe_22 diz: Você não precisa ter medo de mim, eu já disse que te amo e vou me casar com você. Eu faço qualquer coisa por ti, por favor, deixe eu te mostrar o quanto estou apaixonado por você.

Princesa_18 diz: Preciso de mais um tempo.

Príncipe_22 diz: Eu espero, mas preciso saber que você também me ama, ou que pelo menos posso ter alguma esperança contigo.

Ela olhou no calendário: O dia do pé na bunda. Voltou para o bate-papo:

Princesa_18 diz: E eu preciso saber se você realmente me ama a ponto de esperar até a data que eu marcar agora.

Tensão no ar. A data era significativa para ela, mas para ele parecia uma data comum, um sábado qualquer. A memória de um príncipe não é tão romântica como a de uma princesa.

Príncipe_22 diz: É muito tempo, mas estou disposto a esperar, só para que você não duvide do amor que sinto.

Ela ficou confusa com aquela declaração. Perguntou-se se ele estaria realmente apaixonado pela Princesa_18 e o gelo de seu coração deu uma leve estremecida com a dúvida. Todos os demais pretendentes da princesa já haviam desistido, mas o príncipe continuava ali, firme à espera de sua chance.

Durante os meses seguintes, príncipe e princesa viveram um grande amor virtual, ansiosos pelo momento de se encontrarem e finalmente poderem viver esse mesmo amor na vida real. Ele começou a juntar dinheiro para a viagem, vendeu a moto e o vídeo game de última geração, pesquisou tudo sobre a cidade de sua amada, desde local para hospedagem até possibilidades de emprego. Mas de todos os preparativos, o mais audacioso foi a compra das alianças e a gravação dos nomes.

-- Dependendo desse encontro, eu nem volto mais – disse ele a um amigo, dois meses antes da viagem. Ela ficou sabendo desse comentário e concluiu: Não era só um joguinho de conquista, ele realmente amava uma princesa que já tivera em seus braços, porém não existia mais.

Finalmente o grande dia. O Principe_22 avisara que não precisava buscá-lo na rodoviária, faria uma surpresa, e isso deixou o coração dela mais feliz, seria muito mais divertido fazer ele procurá-la no endereço, do que deixá-lo esperando na rodoviária. Dois anos de espera. Ela só lamentava não estar lá para testemunhar o arrependimento que prometera um dia.

E ele de fato se arrependeu. Quando chegou à casa de portão branco e viu que ninguém conhecia sua princesa, um vazio enorme invadiu o coração dele. Ainda insistiu com os vizinhos, mostrou as fotos da princesa, mas ninguém nunca a havia visto em toda a cidade. Passou por uma ponte na volta para a rodoviária e pensou em jogar-se dali, dar cabo de sua vida, que não lhe servia para mais nada. Mas seu coração mandou que voltasse para casa, onde estava sua verdadeira princesa.

E lá estava ela: O olhar frio, o coração vazio de amor e nos lábios as palavras:

-- Eu disse que você se arrependeria.

Valquíria Paulla
Enviado por Valquíria Paulla em 20/05/2013
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