Dança da solidão
Era uma vez numa terra distante, um país diferente, muito diferente. Onde as pessoas que ali nasciam naturalmente aprendiam a dançar, antes mesmo de andar e falar. Aliás, já davam mostra dessa habilidade mesmo ainda no ventre de suas mães. Dizia alguns pais orgulhosos: “nosso filho vai ser capoeirista, veja como ele chuta, estou sentindo sua gingada!” E outros, “a nossa vai ser bailarina, como ela gira!”. E assim, se orgulhavam da vida dançante que teriam os filhos. Na escola, a dança era matéria obrigatória. Assim como língua nativa, embora todos dançassem era preciso aperfeiçoá-la, conhecer suas minúcias, ritmos... estilos. Naquelas terras, religião que prestava era aquela que não dispensava uma boa batucada. Os esportes mais populares eram sem dúvida a ginástica rítmica, a patinagem, a capoeira. Os habitantes acordavam ritmados ao som dos pássaros, e com os raios solares deslizavam harmoniosos da cama como os girassóis bailando ao som da música solar, e em passos dançantes trabalhavam, se divertiam, se entristeciam e no final da noite eram embalados por canções de ninar que davam um sono, humm... Que sono bom!
Mas, infelizmente nem todos viam a dança com bons olhos. Havia aqueles que já nasciam reclamando, “odeio dançar” “Tenho raiva de quem dança” “Jamais dançarei”. E teciam um emaranhado de murmúrios lamentosos a respeito da dança. Ora, aconteceu que tempos depois, um desses inimigos da dança chegou ao governo do país. Se já não bastasse o fato de em sua casa proibir seus filhos de um simples sacolejo ou sequer de um mero deslizar de pés. Criou uma lei onde declarava, não só ser proibido dançar, como condenava qualquer manifestação que lembrasse ou associasse a dança. Daquele dia em diante nada de samba, forró, tecno, lambada, flamenco, frevo, vaneira, xote, maxixe, jazz, axé, gafieira, tango, salsa e merengue. Os jovens nada de balada. Chorinho só se escutava de crianças que desconsoladas, com olhinhos de súplica, pediam aos pais que permitissem ao menos serem embaladas com canções de acalanto. Era uma tristeza só. Pessoas morriam, faltava-lhes respiro. Outras, consternadas embruteciam. Hospitais lotados, escolas vazias, crianças que já não brincavam, uma vez que havia um sério risco de que brincando embalassem sua fantasia. Essas e outras consequências foram possíveis observar nesta terra onde quem dançava, “dançava”, ou seja, era preso e torturado. Chegou um tempo em que nem as plantas ousavam balançar-se com o vento. E as folhas secas antes de cair suplicavam aos ventos que, por favor, não as movessem. Uma rigidez passou a imperar por aqueles meios. Dizem até que nos dias de hoje, mesmo com a morte daquele governador tirano, esse povo já nem sabe mais dançar. Quando algum estrangeiro por ali passa e os convida a dançar, contestam: “eu não sei e tenho raiva de quem sabe”. E assim seguia esse povo que, mesmo sem saber, dançavam interiormente a dança da solidão.
Passados alguns séculos, eis que num certo dia algo mais estranho aconteceu. Uma mulher de origem muito humilde, depois de ter dado a luz ao filho, levou um susto. Percebeu que a criança tinha algo de anormal. Algo relacionado com os pezinhos. Os pais envergonhados diante da equipe médica começaram a suar frio de preocupação. A equipe reuniu-se imediatamente e começou a examinar minuciosamente a saúde daquela criança. Horas depois, o médico responsável se dirigiu para onde estavam os pais, dizendo: “Vocês precisam ser muito fortes neste momento!”, os pais que já não sabiam mais como se controlar de tanta aflição com todo aquele drama, se abraçaram e com uma voz entrecortada, perguntaram: “o que foi Doutor?” Ele dança.