Alheio a mim mesmo.

Quando acordei certa manhã, não sabia mais quem eu era, eu não era mais aquele homem que havia se deitado uma noite antes, e nem alguém que havia se deitado por tantas noites seguidas na mesma cama, nem aquele que sonhou e acordou e caiu, na mesma casa, no mesmo sistema de coisas, na mesma vida. Senti que aquelas paredes não mais me conheciam, as cortinas nem mais sabiam quem eu era, as cobertas tentavam me matar sufocado por me terem como um estranho, naquele lugar.

Levantei-me, vesti meus chinelos para andar pela casa a esta hora da manhã, eles se recusaram a aceitar meus pés calejados de tantas caminhadas diurnas e noturnas, apenas vagas divagações oníricas. O chão não mais queria que eu pisa-se nele a esta hora da manhã, talvez nunca mais queira que eu caminhe sobre ele como fiz em tantos dias... Sonolento e sozinho, perdido em meus próprios pensamentos.

A sensação de não saber quem sou afinal, se tornou mais forte quando cheguei à porta para ir ao banheiro. A porta se recusara abrir para mim, ela cuspiu a chave o mais longe que pode, tentei agarrar as chaves quando elas passaram por mim em um relâmpago, mas foi em vão. Consegui pegar a chave antes que ela sai-se pela janela a fora, e nunca mais conseguir sair do quarto, tive que ser rápido o suficiente para pegar aquela peste de metal que corria de um lado para o outro, afinal a agarrei forte com ambas as mãos, a coloquei na fechadura e a virei, a porta fez o barulho familiar do que sempre fez quando se destrancava, mas, mesmo assim, mesmo com este barulho familiar eu ainda continuava sem saber quem eu o era.

Passei pelo corredor, vários quadros, copias descaradas de Renoir, Monet e Freud, tantas pessoas me olhando feio, tantas caras que me sempre foram familiares torcendo o olhar com ânsia e repulsa por mim, parei para fitar um quadro, diversas pessoas começaram a se distanciar de mim, alguns me viraram as costas. “Queimarei os quadros assim que possível" pensei eu com meus botões, mas, a frente havia um vaso com uma planta, tentáculos expostos sob a fraca luz do amanhecer já muito opaca por causa de uma chuva que estava a se formar, passei por ela, suas folhas tentaram me matar, e me expulsar desta casa que me tomou tantas vezes em seus braços durante noites em claro em que me encontrava em um estado horrível entre transe com melancolia a depressão com loucura.

Não fui ao banheiro com medo do que meu reflexo no espelho pode-se me fazer algo, talvez me atormentasse com a minha real existência ou apenas me iludiria igual tantos que me fizeram em todo este tempo de vida que tive.

Voltei ao meu quarto, à porta estava encostada, a puxei para dar passagem a mim, para poder adentrar ali, a porta rangeu o ferro com ferro das dobradiças, assemelhou a um grito, alto e estridente, tentei o decifrar e entender por fim oque ele estava dizendo de uma maneira ou de outra, mas, foi em vão a minha sapiência enquanto a isto estava sendo sem valor, nunca compreenderei oque este grito de dor na porta quis dizer afinal. Entrei e fui até a janela, a janela dava para a rua que passava frente a casa, diversas pessoas andando pelas ruas, indiferentes apenas preocupas com si mesmas, preocupadas com os quadro horários que deviriam cumprir, preocupadas com a merda do cartão de credito, preocupadas com a merda de conta bancaria, preocupadas em e manter vivas nesta merda de cidade moderna, com a merda do namorado, que a traiu com a merda da mãe que não lhe deixa ser livre, com a merda do professor que é apenas ensina a versão marxista da sociologia, com a merda do politico que apenas se engorda como um porco imundo, com a merda da doença da vizinha que você não gosta e nunca a cumprimentou, com a merda do parente que você nunca foi a casa mas, quando ele falece você ao enterro com cara de pau e disser que sente muito... Mas, então elas alheias ao que se passa a mim aqui nesta casa, será que são alheias sempre assim com as pessoas? E ainda por cima esta casa que me quer expulsar por ter me tornando alguém que não é mais o mesmo.

Quando me aproximei da janela o vidro estava frio, encostei as minas mãos levemente tremulas, creio que seja pelo frio que esta fazendo hoje, olhando para fora percebi no mundo em qual eu vivia caia uma fina chuva, fria e suave despreocupada lavando o mundo de nossas impurezas, as pessoas passavam encolhidas em seus casacos se protegendo deste frio, “Para que se sacrificam assim?" pensei, creio que eu não deveria ter tido este pensamento, pois me lembrei de que eu mesmo era uma destas pessoas que andam de um lado para o outro, encolhidos dentro dos nossos casacos querendo nos esconder, mas, nos esconder de quem? ou de que?

“Deitei-me na cama, me estiquei, fiquei fitando o forro que se fazia em diversos desenhos opacos na madeira, senti-me novamente mais próximo de mim, percebi que nunca soube realmente quem eu era, alguém me disse “Você é inteligente” eu fui” Você é um drogado" eu fui " Você é um canalha" eu fui, eu fui, EU FUI, me tornei aquilo o que as pessoas me diziam para ser, fui bom, fui mal, apenas nunca fui eu. Tudo oque eu escolhi não foi minha decisão, o que eu escuto, oque eu leio, oque eu assisto, oque eu como, tudo foi escolhido por outros.

Não suportei mais aquele quarto, com muito pesar consegui sair de minha casa que tentava me abafar, ali dentro. Na rua alguém me cumprimentou eu acho que é para mim, deve ter sido pois me lembro de que no dia anterior assim me chamaram - “Oi Paulo"- Olhei para a pessoa e respondi " Eu não sou Paulo" ela ficou olhando para mim, sem saber oque fazer, ensaiou uma resposta a me dar, antes que fale algo, virei minhas costas e prossegui pela a rua a fora, cortando aquela fina chuva que caia como um grande véu. Outra pessoa me parou e me cumprimentou, agi da mesma maneira, não devo ser chamado de Paulo, me chamaram assim, me fizeram ser assim, mas, ninguém perguntou oque eu queria ser, ou oque eu queria fazer. Apenas me disseram, " Vá e faça" eu fui e fiz sem pestanejar. Durante toda a minha vida foi assim.

Pela a rua vi um pequeno gato preto que cruzou a minha rua, belíssimo gato, quase não se vê gatos tão belos assim. A Dona do gato estava sentada numa varanda, ela acenou para mim, eu não fiz nada nem sequer dei um ou, ou uma leve balançada de cabeça, sentia o mundo a me apertar o peito, ela se inclinava na cadeira, para acariciar o gato, hora para pegar algo do chão. Eu ali naquele dia frio apenas andando sem saber quem eu sou.

Percebi que o numero de pessoas estavam aumentando e o céu estava limpo, dei meia volta e voltei para a minha casa, novamente os objetos me atormentavam, não sei por que eles estavam fazendo isto, nunca fui mau dono.

Resolvi parar de tentar de descobrir quem sou, mas, sim o porquê sou assim...

Hoje eu percebi que os objetos não me atormentavam, eu que os atormentava, estive alheio as suas funções, fazia as coisas sem me dar conta apenas o fazia como uma maquina. Os objetos estavam se fazendo para serem vistos.

E eu? O que eu faço para ser visto como o que eu realmente sou, não oque me fazem ser? Creio que nada.

Panthael Barrett
Enviado por Panthael Barrett em 18/05/2013
Código do texto: T4296320
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