Vovó Joana
Jó Joana está entretida em guardar compotas de frutas e não percebe o mau tempo que se aproxiVa. Mas o tempo enfurecido, açoitando tudo o que vem pela frente, faz a senhora largar seu afazer e percorrer a casa toda fechando portas e janelas. Cansa-se um pouco com esta tarefa e resolve ir para a sala descansar. Mas antes, vai até a janela que dá vista para a calçada, afasta a cortina e, através da vidraça já embaciada, vê pedestres desprevenidos, ja molhados a correr para se proteger da chuva que já iniciou. O tempo esfria mais ainda e Joana vai sentar na sua cadeira preferida. Em seguida levanta e vai para a cozinha, Pega um sachê de hortelã, água fervendo e..., e coloca num pratinho algumas bolachinhas. Com o seu chá da tarde retorna para o seu cantinho predileto.
O costume de tomar chá acompanhado de bolachinhas é um hábito que vem de longa data. Chega quase a ser um ritual. Se alguém passar na calçada e olhar pela janela, distraidamente ou não, se for logo após a sesta, com certeza verá a idosa senhora ali, em companhia duma amiga ou mesmo sozinha, no aconchego da sua salinha. Vó Joana é assim, apesar de viúva há mais de dez anos, e de ter sido convidada pelo seu único filho e nora a ir morar com eles no exterior, para onde foi transferido, preferiu continuar no seu mundo. Gosta do lugar, foi ali que criou raízes, que conheceu seu falecido marido e com o qual conviveu por longa data. Pode-se dizer que foi um casamento feliz, apesar de terem vez que outra se deparado com algum impasse, discórdia ou algumas rusgas inconsequentes. Além disso, uma irmã ainda viva, duas sobrinhas e alguns quantos amigos nutrem por ela um carinho todo especial. As vezes que tem que sair, sempre tem alguém que a acompanha. Jó Joana, apesar de ser uma pessoa de fácil convivência, de uns tempos para cá, optou em recolher-se e usufruir apenas da sua própria companhia. Faça chuva ou faça sol, é ali que ela gosta de estar. Imagino o que lhe vai pela mente. Com certeza entre uma laçada e outra do seu crochê, o pensamento vai longe, talvez entre numa espécie de túnel do tempo. Não o do futuro, mas sim, o que leva de volta ao passado. Quanto ao passado, distribuídos harmonicamente pela sala, estão as fotografias de familiares e amigos. Se filho Juca, a nora e os netos ocupam um lugar especial, em cima da cômoda, ao lado do castiçal dourado.
Passou-se mais de uma hora e Vó Joana continua ali, compenetrada em relembrar épocas passadas. Vez que outra levanta e, de cima da lareira pega o retrato dos pais (as fotos, não são por ela chamadas de fotografias e sim de retratos), e coloca-o junto ao peito na vã tentativa de traze-los de volta. Os entes que já se foram, todos estão ali, em cima da lareira, enfileirados, em separado dos demais. Esses momentos, que são apenas dela, trazem muita saudade e nostalgia de uma época que não volta mais, volta apenas, na lembra da idosa senhora.
A rotina de Vó Joana é assim, apesar de ter quem a auxilie na lida da casa, ela também tem sempre algo a fazer. Cuidar do seu jardim, de suas folhagens do qual se orgulha muito. A sua sesta logo após as duas horas é sagrado. Metódica e disciplinada, arruma tempo para tudo, inclusive para o seu sentar na sala e relembrar velhos tempos. Quando então fica momentos ou até horas em absoluta compenetração. Com certeza lembra também do seu amado filho que mora lá longe, conforme ela sempre diz, que ele mora do outro lado do oceano.
Chia a chaleira, é Joana preparando o seu café. Após o desjejum, vai caminhar na varanda. O dia está lindo, já ensolarado. Volta para dentro e em seguida retorna com o seu crochê. Senta na cadeira estofada e ali fica envolvida com agulhas e linhas. Em outras ocasiões podemos vê-la conversando com uma vizinha ou regando as suas flores e folhagens. A trepadeira dos fundos, a roseira ao lado da escada, uma beleza! Flores tantas que enebria e embriaga, é a natureza em flor, literalmente falando. Depois do filho e dos netos, o seu jardim é um dos orgulhos da Vó Joana.
Apesar da idade avançada, é visível a ansiedade da Vó Joana. É o que observa a vizinha da frente, que acaba de lhe fazer uma visita. A mescla da ansiedade e alegria tem um motivo. É que na segunda-feira passada seu filho telefonou avisando que voltaria a morar no Brasil, Que foi transferido para uma cidade vizinha, uma cidade bem maior do que a que mora a sua mãe, mas que antes nesta cidade se instalar, vai com a família passar o mês todo com ela. Quer dizer, está por chegar o filho a nora e os dois netos. Vem eles dentro duma semana.
Naquela noite, Vô Joana não consegue dormir, vira-se na cama de um lado a outro e nada do sono chegar. Até que enfim, consegue conciliar o sono, mas só na madrugada. A noite seguinte, vai dormir bem cedo, pois tem muito a fazer para bem receber o filho. Pensa nas guloseimas que vai preparar para os netos e o bolo de chocolate que sabe ser o preferido do filho. E em tanta coisa pensa, mas dominada pelo excesso de cansaço do dia anterior, adormece profundamente.
Passou a semana e enfim, chega o grande dia, o do retorno do filho. A mãe do Juca logo cedo já está de pé. é seu costume levantar cedo. A casa já está sendo arrumada, café tomado, Vó Joana senta na varanda e inicia a leitura do seu jornal. Apesar da idade, gosta ela de se manter inteirada dos fatos do dia. Apesar de um tanto aflita, tenta continuar lendo mas não consegue. Larga o jornal e vai ver o barulho que vem da rua. Caminha até o portão e...pasmem! ali está, na sua frente o seu filho! A idosa senhora fica ali, incrédula, não esperava a volta do Juca para aquela hora. Enquanto teimosamente uma lágrima insiste em pela sua face rolar, mãe e filho abraçam-se emocionados. Os netos ali também já estão, a nora num múltiplo abraço onde os quatro enfim, juntos outra vez.
Enquanto guloseimas repousam dentro da geladeira, Vó Joana diz: Entrem meus filhos, entrem! E assim, uma porta de madeira enorme, fecha atrás dos cinco.