Amor às flores
Carmela, jovial e sempre faceira, está sentada na soleira da porta olhando o jardim, A estação primaveril impele-a a levantar-se e caminhar por entre os canteiros floridos. As flores são tantas, que até o vento que por ali passa, sente-se mais feliz. A jovem muito bonita, inebriada com o perfume que dali exala, parece mais uma flor a compor o jardim.
Característica de qualquer adolescente, a cabeçinha de Carmela também está cheia de sonhos. Senta no banco que fica junto às roseiras, e seu pensamento ingênuo e inocente volta outra vez a arquitetar planos para o futuro. O príncipe encantado com certeza não pode faltar. Filhos? É algo que lhe parece muito distante, mas mesmo assim, ali mesmo decide que quer ter dois. Mais exatamente duas meninas. E como gosta de flores, pretende batiza-las com nome de flor. Entretida com uma margarida na mão, tirando pétala por pétala, num processo muito conhecido, o tal do "bem-me quer, mal me quer" , não percebe o filho do seu José, que a observa do outro lado da rua. Nesse meio tempo chega sua colega e melhor amiga, e as duas ficam ali batendo papo, coisa de adolescente mesmo. Na conversa das duas, muito comum encontrá-las confabulando sobre os colegas de classe, namoros, moda e afins. É assim que passa a vida das duas, não totalmente despreocupada por causa da escola, do estudo e das provas, enfim.
A vida segue seu curso...A Lucia, que era a inseparável colega e amiga da Carmela, formou-se em arquitetura e após casada, acabou indo morar na Europa, mais precisamente em Portugal. Lá longe, muito bem situados, apesar da saudade, estão felizes na companhia dos seus três filhos.
Para Carmela, a vida também mudou, acabou casando com o filho do seu José, que após formar-se montou um escritório de advogacia e a Carmela, que é formada em Administração, após casada, passou a trabalhar numa multinacional que há alguns anos havia na mesma cidade se instalado. Ali Carmela ocupa um cargo de suma importância, de chefia. O lugar da despreocupação de adolescente, ficou no passado. Deu lugar a uma mulher responsável e consciente. Levam uma vida tranquila, com as normais preocupações de qualquer casal de classe média, pode-se dizer que são a imagem de um casal feliz, se não fosse por um senão, a falta de filhos.
Conforme o tempo vai passando a ansiedade de Carmela aumenta. O casal passa a se preocupar porque nunca evitaram filhos, mas mesmo assim, mesmo já casados há oito anos, nada dela engravidar. Isso que já falavam em ter filhos quando ainda nem tinham casado. O sonho em ter duas meninas sempre foi uma ideia fixa na mente de Carmela, mas de uns tempo para cá, o maior sonho do casal, é ela conseguir engravidar.
Devido a essa demora, de comum acordo decidem que Carmela irá fazer tratamento para engravidar. E é o que fazem, mas mesmo assim, mesmo que há anos o médico ter afirmado que não havia nada de errado com nenhum dos dois, o tão esperado filho não chega. Carmela sente-se uma "'arvore seca" e já nem mais acredita que algum dia poderá ser mãe.
Mais uma primavera que se inicia, o jardim da Carmela todo florido,o sol radiante, os passarinhos faceiros, pulando de galho em galho. Carmela, que de uns tempos para cá, anda meio tristonha, pensativa, após sentir-se mal, resolve antecipar a sua consulta de rotina. E foi durante esta consulta, que o seu médico constata a gravidez. Com a tão esperada notícia, Carmela não cabe em si de tanta felicidade. O Jorge, que é o filho do seu José e que tornou-se seu marido, a acompanhava, também fica muito feliz. E assim, com a certeza de nova vida dali para a frente, retornam para casa.
Passam-se os meses e o casal está radiante, enfim o tão esperado filho está prestes a chegar. Se alguém visitar Carmela, irá encontrá-la envolvida com lãs e linhas tricotando ou fazendo sapatinhos de crochê. Uma vizinha pergunta se ela não vai fazer ecografia. Carmela não quer. Prefere ficar na expectativa. Para o casal, tanto faz se vier menino ou menina, desde que venha com saúde.
Pois bem, enquanto a ansiedade vai aumentando, passam-se mais dois meses e eis que chega o grande dia. Durante as primeiras contrações, Jorge não sabe o que fazer primeiro, se fica com Carmela ou se chama uma ambulância. Já no hospital, Jorge muito nervoso, anda de um lado a outro sem parar. Após duas horas de espera, eis que aparece o médico. Jorge mais que depressa: E doutor? Correu tudo bem? E minha mulher como está? E o bebê? O médico diz que ambos estão bem, dando -lhe os parabéns e complementa que nasceu um lindo menino. Menino? Pergunta Jorge um tanto surpreso. Da mesma forma foi surpresa também para Carmela. Mas mesmo assim, o filho foi recebido com grande alegria. Carmela já nem mais lembrava de que na sua adolescência sonhava em ter duas meninas. Agora, o que importava é que tinham um filho, uma criança cheia de saúde que preenchia suas vidas.
Carmela agora com o tão sonhado filho nos braços, era chegada a hora para lhe dar um nome, mas de nada adiantava pegar a lista que logo no inicio do casamento havia feito, pois era formada só por nomes de menina. Depois de algumas sugestões, aparece a tia que sugere o nome de Ferdinando, que era o nome do avô paterno, que há muito já está no andar de cima. Neste instante Carmela lança o olhar para o jardim, e resolve que o nome do seu tesouro será Florinaldo. Interpela o marido, e este, prontamente concorda. E assim, no mês seguinte, em meio a muita festa, realiza-se o batizado do bebê.
Florinaldo veio para trazer alegria, a família agora está completa. O desejo de Carmela em ter duas meninas, ficou no passado. Para Carmela, o que importa é que seu filho cresca feliz e com saúde, e que se torne um homem de bem. Assim passam-se os anos, o menino vai crescendo mas, conforme cresce, vai dando mostras de ser um menino diferente. Já na adolescência, manifesta através de trejeitos e comportamento, simpatia pelo mesmo sexo. O pai anda meio cismado com a tendência do filho. Para a mãe, que é muito compreensiva, ama-o do jeito que é.
Carmela, logo após o nascimento de Florindo, voltou a alimentar a esperança de ser mãe pela segunda vez. Mas essa longa espera pelo primeiro, os longos anos tentando engravidar, esbarram agora nos seus quarenta anos. Dando-se conta dessa sua realidade, acaba desistindo da idéia de mais um filho. A sua vida de mulher de classe média alta segue seu curso normalmente e quando menos espera, vê-se outra vez grávida. Eu grávida! pensa com seus botões. O marido ao saber da notícia fica comovido. Florindo por sua vez, saí porta afora e vai espalhando aos quatro cantos que sua mãe vai ter bebê. Sempre quis ter um irmão ou irmãzinha, para ter com quem brincar, conforme sempre dizia. Seu desejo agora está próximo de ser realizado.
Carmela já não mais tão jovem, segundo o médico, configura uma gravidez de alto risco. Carmela então resolve pedir demissão do emprego para conseguir seguir à risca todos os cuidados com o pré natal. Passam-se os meses e desta vez, Carmela opta por uma ecografia que irá fazer na semana seguinte. Por vezes pensa que... bem que podia ser uma menina, mas a idéia esvai-se de imediato. Esse pensamento dá lugar a uma mescla de ansiedade e preocupação. A semana parece interminável, mas eis que chega o dia do resultado. E o médico confirma. Confirma que são duas meninas. Estupefata Carmela pergunta: Duas! Sim, você vai ter gêmeas. Assim desse jeito, incrédula sai do consultório muito feliz, parece não acreditar, depois de tanto tempo...duas meninas de uma vez só? pensa.
O marido, igualmente fica feliz. Floriano, outra vez sai porta afora falando a Deus e a todo mundo que sua mãe não vai ter só um bebê, mas que terá duas meninas. Fica bobo de tão feliz que está, quer inclusive aprender a tricotar. Passa a ficar mais em casa, ajuda a mãe nas pequenas tarefas.
Certo dia FLorinaldo pergunta para a mãe: Mãe, nós temos que escolher dois nomes. Vou fazer uma lista e depois a senhora diz se gostou de dois. A mãe, um tanto preocupada com o parto que já está marcado, vai ser cesariana, levanta o olhar e diz ao menino que não precisa fazer lista, não precisa não, vai e procura na gaveta da cômoda lá no quarto, lá eu tenho uma lista com mais de cinquenta nomes. Florinaldo vai até o quarto da mãe e procura a bendita lista. Mexe e remexe até que enfim acha a relação. A mãe, que nesse meio tempo entra no quarto diz para o filho que ela sabe os primeiros nomes, são todos nomes de flor. A mãe que havia ficado pensativa, volta-se para o filho e diz, uma vai se chamar Rosa e a outra Violeta. Dito isso, olhando fixo para a mãe, pergunta que nome ela daria se mais tarde viesse mais uma menina, a mãe pensa um pouco, avista o jardim de longe e diz, se chamaria Margarida.
As meninas nascem e crescem felizes e saudáveis. Florindo, sempre jeitoso, e prestativo, colabora com a mãe. Ajuda a trocar fraldas, faz chazinho, brinca e cuida das irmãs. Carmela fica a observar as menina que brincam no jardim. Volta seu olhar para o alto e, não se sabe, mas imagino, que estea agradecendo tamanha felicidade.
Florindo, está um moço feito. Cheiroso e bem apanhado, um certo dia, resolve ir ao cinema, está afim de assistir O DIÁRIO DE UM ADOLESCENTE, e é o que faz. Senta-se na penúltima fila quando, já bem acomodado e as luzes apagadas, alguém chega e pergunta: Está ocupado? Não, responde Florindo. O estranho senta na poltrona ao lado e fala: meu nome é Alberto e o seu? Florindo, que estava concentrado assistindo o trailler, volta-se para o rapaz, olha-o pensativo e diz: Meu nome é Florindo mas pode me chamar de Flô. Apenas Flô. Enquanto isso, Carmela da janela admira o seu lindo jardim, que agora está com duas flores a mais, a Rosinha e a Violeta.