O caso das flores no túmulo

O menino caminhou por entre os velhos túmulos e, a passos rápidos, saiu portão afora do cemitério. O local era no fim da rua da igreja matriz, porém, era quase impossível cruzar com algum conhecido naquele momento. Mesmo assim, ele ocultava parte do rosto na aba do boné. Embora estivesse apressado, sabia que podia ser confundido com qualquer menino que ajudava a mãe no cuidado dos túmulos.

A cidade era pequena, como se podia notar pela localização do cemitério. E como costume antigo, antes de se enterrar os mortos, o pároco devia dar as últimas bênçãos, já que o caminho fúnebre seguia por aquela única rua pavimentada da cidade. Não havia muita fonte de renda no interior, daí algumas senhoras serem pagas para cuidar da morada final de pessoas de famílias mais abastadas.

O menino soltou um suspiro, o prazer do serviço feito estampado nos olhos brilhantes e nos passos seguros quando adentrou a igreja. Parou no oratório de Santa Teresinha, fez o sinal da cruz e caminhou em direção ao banco da frente. A família Sousa o ocupava completamente. Foi quando, encontrando um lugar vago no banco de trás, ele sentou e ficou quieto, ouvindo o canto do Ofertório.

Era domingo. Após a missa, alguns dos religiosos entravam no cemitério e acendiam velas. Uma mulher, os olhos fixos numa sepultura simples de canteiro de tijolos nus e de plantas silvestres, olhando inquiridora para os presentes pôs-se a falar como quem sabe que um deles podia ser o autor do fato:

_ Olhem! Novamente há flores na cova da filha do Senhor Assis! _ Murmurou apontando umas rosas pequenas de um tom pálido avermelhado.

_ É do apaixonado secreto! _ Ouviu-se outra voz feminina erguendo uma pergunta no ar, que ficou cheio de um silêncio por parte dos poucos homens que ali estavam.

O prefeito da cidade, o Senhor Sousa, percebeu que houve um desejo de se criar um murmurinho pela cumplicidade das mulheres em assuntos assim, então, interrompeu o caso sugerindo que todos fossem cuidar da própria vida.

E até Dona Joana, uma senhora de uns cinquenta e cinco anos e irmã mais velha dele, reconheceu que era o melhor a ser feito.

_ Deixem os mortos com seus segredos! _ Insinuou para que saíssem sem mais falatórios.

Não se sabe se houve propósitos de reiniciar o assunto quando os vereadores e uns poucos familiares foram aquela noite à casa do prefeito, como era costume quase todos os dias, e muito menos se tinham esperanças de atiçar a rixa entre este e Seu Assis. O certo é que nem tentaram disfarçar que estavam entrando em assuntos antigos da cidade, pois com a língua afiada de deles soltou esta:

_ Então, prefeito, o Senhor também estava hoje no cemitério e viu as flores no túmulo da mulher que se suicidou há três anos?

Efetivamente essa pergunta gerou outras, recolhendo-se da ocasião o motivo do fim da vida dessa pobre infeliz.

_ A mulher em questão, de nome Teresa, tinha quarenta anos e era solteira ainda quando se matou, não foi? _ Ouviu-se o que parecia ser a voz do presidente da Câmara Municipal.

_ O pai dela desde então não anda na igreja... _ Quis ser mais longo outro dos presentes, mas se calou quando um jovem fez uma pergunta ao dono da casa.

_ Seu Sousa, é verdade que ela tinha um amor secreto e que o homem era casado? Conte-nos...

E com espanto, viu-se que os olhos do prefeito estavam apertados de uma água que teimava em jorrar (mas certa de que não podia sair). Ora, dando por encerradas as conversas, que ressoavam ainda na garganta de todos em milhões de ponderações e, como se uma voz tivesse dito aos presentes: “Eu não posso falar nisso a ninguém!”, o homem gritou para o menino que estava sentado a poucos passos dele:

_ Pedro, vá buscar daquela cachaça que está curtida com cajus desde o ano passado e dê um trago para todos. Estamos bem precisando.

Os homens, não querendo entrar mais ainda em terra perigosa, trataram de puxar outros assuntos e, trago a trago, voltaram para casa lá pela meia-noite, já um pouco tontos do pileque de cachaça curtida. O Senhor Sousa, após ter se despedido de um a um na porta de casa, recebeu a ajuda do menino para fechar a casa e, passando pela porta do quarto da esposa, foi dormir no de hóspedes. Aquela noite era só dele e de seus pensamentos...

Teresa Cristina flordecaju
Enviado por Teresa Cristina flordecaju em 11/05/2013
Reeditado em 12/05/2013
Código do texto: T4285452
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