A menina viva
Ela sempre vivera naquela casa. Ela e seu corpo delgado, calmo. Mesmo quando o coração palpitava com violência, seu único gesto era levar a mão ao peito e arregalar os olhos redondos, para depois resignar-se outra vez em sua calma; um quê mais distanciada.
Os cabelos quase sempre presos em um rabo-de-cavalo úmido, como cílios depois de chorar. E quando girava a cabeça e olhava por cima do ombro, ficava uma impressão ecoando no oco do seu bater de pestanas. Uma impressão. Qual a impressão que dava o seu corpinho fraco de cair perfeitamente bem dentro da camisola opaca. Principalmente quando sentava na beira da cama e olhava as palmas das mãos alvas e se distraia pensando; mudando para um novo pensamento sempre que o anterior acabava.
E então se deixava assustar de leve, olhava para as mãos ainda estendidas diante de si, e sorria com o cantinho do lábio. Levantava-se para cuidar da vida, ou para preparar sopa da mãe. Seus pulmões às vezes sorriam.
Quando seu irmão a abraçava ela respirava fundo e os lábios se apertavam de satisfação um contra o outro. Então lhe servia chá e caminhava com o surdo farfalhar do seu vestido. Percorria os corredores extensos de comprimento silencioso. Às vezes deixava uma mão ir roçando a parede.
Não raro, seu estômago embrulhava como o de todos que vivem na solidão, então precisava vomitar seu chá, sua sopa. Asseada que era, limpava a boca com o lenço. Mas logo já era uma menina vertical outra vez, e secava o suor da testa com a costa da mão.
Mesmo quando seu corpo começou a ficar intangível, andava. E, para respirar, sentava na cama e pensava um pouco nas coisas. Mesmo com ruído do seu vestido já inaudível. Continuava, e cansava, e descansava; mesmo seus pés já não tocando mais o chão; mesmo quando sua sombra não alisava mais a parede. Pensava nas coisas.
E seus pulmões às vezes sorriam.