Golden Glow
A névoa cobre o centro da cidade. Lá, ao oeste, ao longe. Daqui de cima do viaduto, de dentro do metrô, ao leste, contemplo o prédio em ruínas onde ela mantém seu apartamento, e ele vai ficando cada vez mais longe enquanto eu deslizo de costas em direção ao meu barraco. Estranho a sensação de perda sem sequer ter possuído... Mesmo sabendo e tendo como crença que não se possui pessoas. Principalmente mulheres. Principalmente essas mulheres jovens e experientes, livres por natureza, que moram nos grandes centros urbanos. Livres, presas demais no próprio umbigo pra suportar a clausura de um homem mais velho perdidamente apaixonado. Tipo eu, engolindo em seco, aqui, agora. E tudo parecia promissor... E não durou nada. Quantos encontros? Dez, vinte, cinco? Perde-se a noção do tempo quando se perde o juízo por causa de mulher bonita, jovem, independente. Nem bem perdi de verdade aquela que pouco possuí e já me sinto desolado. Quando foi que me tornei tão veado? É, veado, com "E" - porque dizem que só viado escreve "veado". Eu era duro feito pedra; era sim. E tudo vai desmoronando... Feito pedra. Sobre pedras. E tudo por que sou um clichê visual; tudo por que fui confundido com alguém culto, cinéfilo, alguém que enche a boca pra falar de filosofia alemã do século retrasado com um copo de cerveja quente em mãos... Que vida. Quando tudo o que sei é despejar meu vocabulário de sarjeta, de várzea; quando tudo que meu vocabulário compreende é putaria, desgosto com a vida e artes marciais. Sou um bronco, desses que comem ovo rosa cozido e bebem conhaque em boteco de vila. Ela provavelmente me julgou mal: achou que eu usaria guardanapo em volta da lata de cerveja. Pensando por esse lado, deixo de ser um veadão piegas cheio de autocomiseração. Ficar velho é foda. Velhão solitário. Na idade do lobo, cheio de tesão. Carente, aquele medo de morrer sozinho sem ter despejado ao mundo uns catarrentinhos para maculá-lo ainda mais. Um vovô de trinta anos, cuidando de cinco gatos. Sozinho. Voltando pra casa de costas no metrô enquanto o sol desce a lenha lá fora com seus primeiros raios indiferente às minhas lamúrias de bêbado sonolento. Se apaixonar desesperadamente é complicado na minha idade. Afugenta. A energia é pouca para perfurar a couraça dessa juventude maldita. E a culpa, cara, a culpa é da internet. Deve estar lá agora - depois de ter fingido um sono atroz - teclando com algum babacão bazinga. Flertando, enquanto vou amargando de costas, cada vez mais perto do meu barraco, cada vez mais longe de mim, cada vez mais sendo engolido pela certeza premente de que isto - isso de sentir, de sentir algo verdadeiro - não vai se repetir. Que vida.